Reino
de Fogo,
de Rob Bowman
Reign
of fire, EUA, 2002
Reino de Fogo é um filme quase desinteressante, tornado
interessante pelas circunstâncias que o cercam. Ao trabalhar com
um mito do cinema de ficção científica (a destruição
da Terra), e misturá-lo com um monstro mais comumente associado
a uma temática "medieval" (os dragões), o diretor deixa
claro qual foi a sua "sacada" que levou um estúdio a resolver fazer
o filme. Como se sabe, é assim que os estúdios funcionam
hoje em dia, pelo menos no que se refere a filmes de ação
(de verão): baseando-se num "conceito" que, de preferência,
envolva clichês conhecidos, só que numa mistura nova. Neste
ponto, o filme funciona às mil maravilhas: com um belíssimo
trabalho de efeitos visuais e de arte, tanto a idéia da Terra pós-apocalipse
(embora em nada muito diferente do que já vimos antes em outros
retratos da situação), quanto os dragões em si (fenomenais)
atingem o intuito que devem cumprir na tela. Basicamente o de hipnotizar
o espectador, que se maravilha vendo algo que não corresponde de
forma nenhuma a sua experiência do dia a dia (o atrativo básico
do grande cinema de ação/ficção americano).
Se o filme consegue
com sucesso este nível de relação com o espectador,
ele cai num outro problema: OK, visual assegurado, que história
queremos contar? Neste ponto, o filme esbarra em dois problemas quase
insolúveis. Primeiro o de criar um "inimigo" por demais monumental,
mas que (é claro) precisa ser derrotado até o fim do filme.
Isso é problemático porque toda e qualquer solução
parece forçada demais, inventada demais. É óbvio
que verossimilhança nunca foi necessária neste tipo de cinema,
mas ainda assim há um limite até o qual o espectador está
ou não disposto a ir acreditando no filme. Este aqui o ultrapassa
algumas vezes. Mas, isso nem é o mais grave: o principal problema
é mesmo o das personagens humanas em cena.
E aí sim entra
o componente de maior interesse do filme, só que pelas avessas.
Seu trabalho com os personagens é de tal forma caricato e exagerado
que só pode ser aceito pelo espectador a partir da leitura da paródia,
ou até mesmo, da alegoria, só que nada no filme indica ter
sido isso uma intenção do diretor. Mas, sendo ou não,
nos interessa o que está na tela: e ler o filme sob a ótica
do mundo pós-11/9 não deixa de ser fascinante. Para começar
porque toda e qualquer idéia de destruição do mundo
hoje no cinema que passe por fogo e cidades arrasadas, deve brigar com
o manancial imagético real que foi o 11/9. Impossível não
traçar o paralelo, ainda mais quando vemos que os dragões
não destróem a civilização por razões
muito mais consistentes do que as que se costuma atrelar aos ataques da
Al Qaeda. Fora isso, é lógico também a relação
entre as feras voadoras (aviões/dragões), a destruição
que vem do ar. Finalmente, é na dinâmica dos personagens
que chega o momento mais paródico: basicamente nós acompanhamos
uma comunidade britânica de sobreviventes, até a chegada
de um grupo de americanos. Enquanto os britânicos só queriam
sobreviver, os americanos chegam com planos de destruir os terroristas,
digo, dragões, e logo (bastante à força) conseguem
"recrutar" os ingleses para a luta. Num certo momento, inclusive, o chefe
dos ingleses tenta recusar, e o americano (um cara bastante tosco, do
Sul do país...) somente afirma: "I lead, you follow" ("Eu lidero,
você segue"). Alguém aí falou Bush e Blair?
Como dizíamos,
se optamos por entender o filme a partir deste ponto de vista, ele até
possui elementos divertidos por boa parte da exibição. Mas,
de fato, ao contrário de um Tim Burton, trata-se de um caso muito
mais de leitura do que de intenções, claramente. Então,
se ficamos no campo do filme mesmo, o fato é que ele intui poucas
coisas realmente novas (como uma cena que parece até vir de outro
filme, tal o grau de sutileza na encenação, na qual as lendas
encenadas no futuro para as crianças, os contos de fadas, são
os filmes que nossa geração viu no cinema), e apenas realiza
com competência eminentemente técnica os pressupostos básicos
de fascínio audiovisual que seu gênero propõe, e repete
os clichês mais básicos e os exageros mais comuns aos muitos
filmes de premissas parecidas. Não é um mau filme, não
é um filme que marque.
Eduardo Valente
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