Tá Todo Mundo Louco,
de Jerry Zucker

Rat race , EUA, 2001


Se fôssemos julgar as carreiras dos envolvidos neste filme pelas suas últimas realizações, era um pouco assustador querer ir ver Tá Todo Mundo Louco... Passando o olho no elenco, veríamos uma escalação clássica de "classes C", ou seja, uma mistura entre nomes que já foram grandes mas andavam sumidos ou fazendo filmes péssimos (Whoopi Goldberg, Kathy Bates em uma ponta) com bons comediantes que sempre ficaram à sombra de contemporâneos mais talentosos (Jon Lovitz, Kathy Najimi, Cuba Gooding Jr., Seth Green, Wayne Knight) com autênticos desconhecidos (Amy Smart, Breckin Meyer, Vince Vieluf). Some-se a isso um John Cleese eternamente subaproveitado em Hollywood e Rowan Atkinson que, bem, criou o Mr. Bean e isso já diz tudo. Mas, pior, tendo à frente Jerry Zucker que, desde que largou a comédia para fazer filmes "sérios" (Ghost e Lancelot) mostrou-se um medíocre a mais. Para quem não lembra, ele é um dos cabeças por trás de Top Secret, Apertem os Cintos... o Piloto Sumiu e da série de TV do Corra que a Polícia Vem Aí.

Pois não dá para saber o quanto isso se deve a uma completa falta de expectativas, mas o fato é que Tá Todo Mundo Louco pega o espectador de surpresa com a maior série de verdadeiras gargalhadas do cinema recente. O fato é este, mr. Zucker: você é um homem da comédia. E isso está claro em todos os pequenos detalhes que compõem uma comédia completa.

Primeiro, ele pega um conceito simples (em si muitíssimo parecido com o igualmente tresloucado e divertido Deu a Louca no Mundo) e parece jogar num caldeirão de insanidade do qual esta simplicidade sai renovada. O que podia ser uma comédia de situação torna-se quase um jogo onde a comédia maluca (screwball) tenta a cada cena atingir um ápice ainda superior ao anterior. A impressão de quem assiste o filme é de que os roteiristas sentaram para discutir o filme e se propuseram um desafio: quem imaginar a cena mais absurda, enlouquecida, over the top, ganha. É assim que a refinada palheta vai de um vôo de balão com direito a uma vaca pendurada pelo pé; um ônibus lotado de mulheres vestidas de Lucille Ball; um museu de adoração ao nazismo; uma perseguição a um cachorro com um coração humano na boca; uma insana participação num derby de destruição de automóveis; uma namorada ciumenta perseguindo o namorado de helicóptero; e o etcetera não será suficiente.

Mas, a grande sacada do roteiro não é só ter a insanidade total como mote. Zucker se mostra inteligente o suficiente para usar o melhor de dois mundos: cria o que é de fato uma sequência de esquetes, mas os liga com uma trama que as torne independentes sem serem episódicas. Isso garante a atenção do espectador, e a fluidez do filme. E mais: com ímpeto renovado, ele pega o velho olhar cáustico da época do trabalho com o irmão David e Jim Abrahams, só que o desloca do humor paródico de um certo cinema que existia nos filmes citados lá no alto, e localiza numa sátira da própria realidade americana atual. Com isso, sobram piadas sobre advogados perseguidores de ambulâncias, sobre os atuais reality shows, sobre concertos para arrecadar fundos, sobre piercing... E até mesmo referências diretas a eventos reais como um fato acontecido com um árbitro de futebol americano, e uma sátira impagável de Roberto Benigni.

Esta, aliás, nos permite passar para o próximo ponto essencial da comédia: os comediantes. Zucker, que junto com os amigos sempre teve um olho clínico (as escalações de Leslie Nielsen e Val Kilmer mostram isso), mostra aqui que boa parte disso devia ser dele. Além de usar alguns dos atores no melhor dos seus tipos já conhecidos (como Lovitz, Gooding, Cleese, Bates - em referência direta a Louca Obsessão, talvez a única piada efetivamente metalinguística do filme), ele consegue ainda renová-los, como no caso de Atkinson que, sem deixar de lado o mesmo estilo de comédia física, sai do Mr. Bean para o italiano-Benignesco. E ele ainda surpreende com escalações como a de Whoopi Goldberg em papel pouco exuberante mas muito interessante, ou a descoberta de atores como Vince Vieluf e Amy Smart, ótimos sempre.

Mas, tudo que se diga do domínio cômico precisa sempre passar pelo tal indefinível conceito que, uma vez ausente ou presente na tela, qualquer um sabe reconhecer: timing. E é aí que Zucker demonstra completa intimidade com o gênero. Ele mistura piadas físicas as mais grosseiras com trocadilhos e piadas rápidas e inteligentíssimas, sátira e humor sutil, surrealismo e identificação, misturando-as num caldeirão que não enjoa o espectador em nenhum momento. É em pequenas cenas, como no momento em que Lovitz é retirado da estrada por um guarda, ou quando Vieluf perde o controle do carro ao ver um piercing mais ousado de uma loira, que pode-se perceber o domínio completo deste elemento cômico. Saber até onde ir na insanidade sem perder a credibilidade do espectador, até onde mergulhar na caricatura antes de voltar ao naturalismo. Tá Todo Mundo Louco é uma comédia quase nostálgica dos bons tempos deste tipo de domínio que, nos últimos tempos, apenas os irmãos Farrelly vinham demonstrando.

Claro, alguns podem dizer que o filme é apenas uma grande besteira, um divertissement sem qualquer valor ou permanência. Pode ser. Mas só quem sabe quão difícil é fazer um destes que funcione pode dar a devida atenção àqueles que conseguem. Ponto para Zucker.

Eduardo Valente