Abandono
do Sucesso,
de Zhang Yang
Zuotian,
China, 2001
Antes de tudo, Abandono do Sucesso possui um interesse inegável:
ao reencenar o drama de um jovem ator chinês que abandona a profissão
ao se envolver com as drogas, o diretor Yang chamou para interpretar o
personagem principal o próprio protagonista da história
real. E mais: não só apenas ele, como seu pai, sua mãe,
seus amigos, todos encenando sua própria história. Uma premissa,
no mínimo, assustadora. Mas, saber como isso se soluciona na realização
do filme é curiosidade de produção que não
nos cabe analisar, por mais curiosos que fiquemos. A nós, se apresenta
a obra finalizada, pronta.
Abandono do Sucesso
cria um paralelo interessante com o trabalho anterior do diretor,
também já lançado no Brasil, Banhos. Pois
se neste um personagem representante da China moderna e urbana se via
envolvido pelo mundo arcaico representado pelo seu pai, aqui acontece
o trajeto exatamente oposto: o velho pai (a mãe também,
mas especialmente o pai) é jogado no universo moderno e metropolitano,
no qual precisa tentar encontrar código a partir do qual possa
estabelecer a comunicação mais uma vez com seu filho. É
neste embate, não só de gerações, mas também
de concepções de uma China, que o filme alcança seus
melhores momentos, dos quais talvez o melhor de todos envolve um pôster
de John Lennon e a tentativa de compra de um disco dos Beatles (o filho
tenta renegar suas heranças chinesas, se declarando um filho do
Ocidente). Reside aí um viés moralista de valorização
dos valores "antigos", em oposição a uma decadência
moderna (que também estava presente em Banhos) que é
o menos interessante no filme.
Parece bem mais importante
observar no filme a relação não acusatória
dos pais com seu filho drogado. Eles o querem ajudar a qualquer custo,
sem nunca apelar para a saída fácil do "é uma
opção dele e não podemos fazer nada" (outro
momento muito belo mostra o pai e a mãe lidando com a única
vez em que este pensamento passa pela cabeça dele). O retrato desta
atitude de cuidar de quem não deseja ser cuidado é, disparado,
aquilo que o filme tem de mais belo.
A forma de encenação
escolhida por Yang envolve um certo uso de meta-linguagem, entre o documental
e uma encenação teatral do drama que, se possui beleza visual
no seu desvendamento, na verdade parece servir pouco aos propósitos
do filme. O grosso dele é uma encenação efetivamente
naturalista do drama familiar. E nesta encenação é
especialmente feliz ver um antídoto ao tratamento do tema das drogas
como algo cheio de tiques nervosos de linguagem. O fetiche do "horror"de
um Réquiem para um Sonho nunca fica mais desvendado na sua
moralização calhorda do que após uma assistência
deste filme chinês. Muito menos "atraente" ou "horrorizante"
aos olhos e ouvidos, mas muito mais preocupado com as relações
humanas, e com a rotina de tédio e falta de defesa. Abandono
do Sucesso não chega a ser um filme estupendo, mas pelo menos
dá uma dimensão humana a um drama que será sempre
isso.
Eduardo Valente
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