Os Contos Proibidos do Marquês de Sade, de Phillip Kaufman

Quills, EUA, 2000

O que esperar de mais um filme de Phillip Kaufman em que ele trata de mais um tema do desejo, com mais um nome famoso da literatura em questão? Já tivemos o eficiente A Insustentável Leveza do Ser, em que as afetações de autor eram compensadas pelo despojamento e a beleza das atrizes, e o risível Henry e June, onde, apoiando-se na faceta erótica dos nomes de Lawrence, Anaïs Nin e Henry Miller, Kaufman mostrava o presepeiro que era, tentando esconder o pornochique mais rasteiro atrás do filme cult sobre a sexualidade. Em Quills, no entanto, o diretor vai mais embaixo e tenta compreender como surge a personalidade de um escritor tão ímpar quanto Donatien Alphonse François, o Marquês de Sade.

É aí que começa o drama: psicologizar Sade, como psicologizar qualquer outro grande artista maldito, é fatalmente cair na bobagem de "descobrir" onde reside a genialidade desse sujeito. Em uma palavra, simplificação. Kaufman transforma Sade em herói de cinema, e herói no sentido daqueles mais banais mesmo, daquele homem que luta sozinho com a adversidade, que responde a uma ânsia que é maior que ele, etc. Talvez em outro funcionasse, mas particularmente não em Sade, autor que em seus escritos luta contra todos os nobres sentimentos invocados no filme.

Mas o pior de Quills é que o filme insiste em apresentar a toda hora seu personagem principal como um simples depravado que gosta muito de escrever, como um tarado que precisa de coração fazer o hábito da escrita. Nenhuma dimensão política, nenhum questionamento moral, nenhuma preocupação sobre estética – quando na verdade tudo o que Sade escreve diz respeito sobretudo à estética, mesmo que uma estética da existência –, Quills sabe quanto à vida de Sade ser absolutamente irrelevante, enquanto consegue sabe-se como achar graça nas anedotas e nos disse-me-disses mais banais. Na ausência de um filme minimamente inteligente sobre essa especial figura da literatura (o filme de Benoît Jacquot, recém-feito, é igualmente desimportante), resta ao leitor rezar para que venha às telas brasileiras o excelente Branca de Neve de João César Monteiro, dedicado a Sade, e uma das únicas experiências feitas no cinema que agradaria o velho imoralista. Pois Quills é medonho.

Ruy Gardnier