O Quarto do Pânico,
de David Fincher
The
Panic Room, EUA, 2001
Depois da estranhíssima
história de Clube da Luta, com sua esquisita narrativa acompanhando
um esquizofrênico recalcado, era de esperar com alguma curiosidade,
mesmo que desgostando, o que viria de novo da parte do diretor David Fincher.
Agora em parceria com o roteirista David Koepp (de O Pagamento Final),
o que nos apresentou então de tão novo? Vendo o filme, surge
até um paradoxo: se a qualidade de O Clube da Luta (talvez
a única) era sua originalidade, a grande surpresa de O Quarto
do Pânico, então, é justamente sua tremenda obviedade.
Talvez algum suspense bem-feito, decerto alguns efeitos visuais tecnicamente
arrojados – mas, olhem, nada de mais. Nem a chance de se surpreender.
O resto? Grande surpresa!
Uma história simples de uma família – moderna, mãe
separada e sua filha doente – que, ao ter sua casa invadida por ladrões
malvados – nem todos, já que um deles é o Forest Whitaker,
que sempre é um cara maneiro, fica sitiada dentro de um quarto
especial de proteção justamente para este tipo de ocasião
agradável.
Quer dizer, o filme
poderia se chamar O Quarto da Paranóia, é um filme sobre
paranóia, totalmente antenado com o sentimento predominante entre
os americanos no momento – e no Rio de Janeiro também, diga-se.
Mas o roteiro, como
dizia aquele crítico antigo, lembra um queijo suíço:
muitos furos e um fedor tremendo.
Fui ver no cinema
São Luiz, no Largo do Machado, Rio de Janeiro, uma noite de quarta-
feira. Talvez O Quarto do Pânico não seja uma boa
pedida para levar a namorada. Mas levei, acreditem.
Afinal, sendo ela
estudante de psicanálise (sem piadas bobas, por favor) e conhecendo
os filmes anteriores do cara, arrisquei: - Vamos lá! Afinal, para
mal ou para o bem os filmes anteriores do cineasta, David Fincher, tocaram
sempre em pontos de crise ética da nossa sociedade atual.
O engraçado
é que, chegando lá, descobri que dois diferentes casais
amigos tinham resolvido ir na mesma sessão! Quer dizer, de fato
não deveria ser um filme adequado para ir com a namorada – mas
não fui só eu que me enganei! (Sinto, então, um certo
alívio, como se dividisse a culpa...).
Para completar, nós
dois sentamos ao lado de um uns amigos gringos (que também foram
a sessão inesperadamente!) que comiam pipoca naqueles sacos que
emitem sons tão característicos. Então, nessa imersão
completa no ambiente de cinema a que aspira O Quarto do Pânico,
assistimos ao filme.
Cada surpresinha do
filme, por mais ‘emocionante’ que possa ser, deixa ele menos coerente,
e aí fica uma dureza. Como assim um dos caras não conhece
o terceiro? Como assim o cara foi mascarado e os outros não? Como
assim o que reuniu os outros dois quer roubar a própria herança
que receberia legalmente, e mesmo assim não recua quando aparece
a hipótese de violência? E como assim recua depois de ter
sua imagem gravada? E como assim o "quarto do pânico"
funciona mas o telefone lá dentro não? E como assim tem
respiradouro mas celular não pega lá dentro? E como assim
uma mãe apavorada representa bem para policiais? Vem cá,
o cara esconde a cara com uma máscara pra quê? Porque é
feio? Porque cara de malvado ele não tem não. E por que
o cara joga os títulos bancários ao vento?
Certo. Hitchcock reclamava
muito dos "nossos amigos, os verossímeis"... Sei lá,
talvez o filme nem passe do ponto entre inverossimilhança e implausibilidade.
Mas é dureza.
É uma pena
que o filme não fuja do aspecto de fábula conservadora -
ou será que é propaganda de ‘quartos de pânico’? –
porque, mesmo sendo esquizofrênico e recalcado como seu protagonista,
O Clube da Luta mostrava um certo teor de disposição
revolucionária que, embora totalmente despropositado e até
perigoso no caso em questão, se mostra muito ausente, ausente demais
nessa nova geração de filmes de ‘auteur’ americanos, feitos
por novos e anacrônicos James Dean de Sundance (assim como o próprio
Fincher). Esse teor revolucionário, que poderia tanto poderia corrigir
sua rota como poderia descambar para as mais reprováveis opções
éticas, simplesmente não existe em O Quarto do Pânico,
simplesmente se apagou.
O pior é que
o filme nem rende muito papo no bar depois da sessão – de todo
jeito, como dizia o título do filme do Tornatore, estamos todos
bem. Mas podia ter botado uma menina mais interesssante no filme, não?
A Jodie Foster tá meio coroa pra isso – e não há
nada mais constrangedor que aquela piadinha de teor sexual que acontece
quando os policiais aparecem. Custava ter botado uma filha um pouquinho
mais velha e atraente? Isso até renderia uma boa situação
dramática... Ou será que o teor erótico só
interessa ao autor se for naquele tom homossexual presente no Clube
da Luta (como notou a amiga Pat B) ?
Mas uma coisa me divertiu,
na conclusão do filme, depois que o malvadão mostra que
é malvado mesmo, depois que o Forest Whitaker mostra que não
é malvado e depois que os bonzinhos se salvam. Foi fazer a interpretação
da citação do dinheiro se perdendo, que lembra O Tesouro
de Sierra Madre, do Houston, e O Grande Golpe, do Kubrick.
Bom, as fontes de citação são ótimas. Mas
há uma coisa engraçada em notar pequenas diferenças
no dinheiro que se perde. Em Sierra Madre, o ouro se perde em meio
ao vento das montanhas – quer dizer, o produto natural a que damos valor
se perde voltando à natureza. Em O Grande Golpe, os milhares
de dólares, dinheiro feito pelo Estado Americano, se perdem em
meio ao vento do aeroporto, espaço público como o é
o dinheiro. Já no referido O Quarto do Pânico, são
títulos bancários – feitos por uma empresa privada, como
os filmes hollywoodianos – que se perdem em meio ao vento e à chuva
que cai nos muros que dividem os lares dos americanos.
Vendo assim, podemos
imaginar que interessava aos Davids Fincher e Koepp fazer uma fábula
sobre o direito à privacidade, num mundo em que o Estado Mínimo
protege a vida privada de bons cidadãos da iniciativa privada de
cidadãos não tão bacanas. Pode ser. Mas, como créditos
bancários não-descontados também vão parar,
de todo modo, em bolsos privados, isso pode querer dizer também
que no cinema de David Fincher, mesmo que a gente não saiba, os
bancos sempre se dão bem no final.
Daniel Caetano
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