O
Quarto do Filho,
de Nanni Moretti
La
stanza del figlio, Itália, 2001
Há uma cena ainda na primeira parte de O Quarto do Filho
onde um novo paciente reticente confronta o psiquiatra Giovanni a respeito
de quem decide o fim do tratamento, este pondera por um instante e responde
que normalmente as duas partes percebem juntas quando chega a hora de
terminar. È esta busca pelo entendimento que o cinema de Nanni
Moretti parece sempre procurar e o diretor logo estabelece que não
será diferente aqui.
Já na cena
dos créditos somos apresentados a Giovanni como um homem que contempla
o mundo, alguém que busca até mesmo nas menores coisas a
compreensão e o prazer de viver. Sua família é feliz,
não por ser perfeita, mas porque ao compartilhar desta visão
de mundo, ter alcançado um senso de harmonia e tolerância
com os pequenos defeitos que todos temos. Todo o episódio a respeito
do roubo de um fóssil que teria ou não sido realizado pelo
filho Andrea exemplifica perfeitamente isto. Não apenas da forma
mais óbvia (a reação e o apoio da família
a Andrea) mas nos detalhes como o incômodo que Giovanni sente pelo
tom agressivo do pai do outro garoto acusado para com o colega que os
havia denunciado.
É então
que Andrea morre num acidente, enquanto Giovanni fazia uma visita especial
a um paciente, e Moretti coloca sua questão: como entender o outro
e o mundo quando já não se entende nem a si mesmo? O drama
de Giovanni não está tão distante do enfrentado pelo
Padre Michelle em A Missa Acabou (85), já que lá
também Moretti é um homem cuja profissão pede que
compreenda e ajude o outro, que se vê incapacitado de exercê-la
por problemas pessoais (no caso sua decepção com os familiares,
amigos e com sua própria incapacidade de compreende-los).
Se o tom da primeira
metade de O Quarto do Filho não se distancia muito de Caro
Diário e Aprile, na segunda parte estabelece-se um tom
mais narrativo e centrado nas dificuldades de Giovanni. Apesar disso,
Moretti não exclui os demais familiares de seu filme, pelo contrário,
um dos grandes méritos do diretor é justamente observar
como a dor atinge de forma diferente cada um, e como ela tende a isolar
as pessoas umas das outras.
Moretti tem sucesso
em encontrar um ponto de equilíbrio entre um retrato frio e um
mais emocional destas cenas (ao contrário do similar Entre Quatro
Paredes onde o diretor parece equiparar um retrato gélido da
perda com "cinema de arte"). Cenas que poderiam se tornar meros
clichês como a que Giovanni tenta em vão escrever uma carta
para uma garota que Andrea havia conhecido antes de morrer funcionam muito
bem, não porque soem exatamente novas, mas porque mesmo que reconheçamos
as situações, a dor e a confusão apresentadas ali
não deixam de ser genuínas.
Moretti ainda nos
presenteia com a cena final. Ela fecha perfeitamente o filme não
só por evitar qualquer saída fácil ou ressentimento
(como no já mencionado Entre Quatro Paredes), mas também
pela forma com que conjuga o que está visualmente na tela com o
som. Afinal, se o cinema é imagens e sons, vem se tornando cada
vez mais raro ver um momento em que a banda sonora parece estar trabalhando
em prol da imagem e que esta se deixe complementar tão bem pelo
som, como o que Moretti consegue aqui. O Quarto do Filho se encerra
assim, não com superação, mas com aceitação,
reconciliação e o entendimento que o cineasta parece sempre
buscar.
Filipe Furtado
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