Profissão de Risco,
de Ted Demme


Blow, EUA, 2001

Os dois primeiros longas de Demme podem ser acusados de tudo, menos de não serem agradáveis. Em O Árbitro ele trabalha com o formato do local fechado com poucos personagens em situação limite, e cria uma comédia sarcástica sobre o casamento muito interessante. Em seguida fez Brincando de Seduzir, uma comédia romântica da escola da "nostalgia pela juventude perdida" que, se não fosse por mais nada (e até é, porque é um filme muito bem realizado), teria o mérito de lançar Natalie Portman como musa. Nenhum destes filmes poderia fazer prever o equívoco que é este seu novo filme.

Essencialmente o filme é equivocado por ambicionar um certo nível de crônica e observação que, certamente, o diretor mostra-se ainda incapaz de atingir. O painel que ele tenta traçar do mundo do tráfico de drogas, atravessando mais de 30 anos em torno de um personagem, é o tipo de trabalho que um Martin Scorsese (cuja sombra parece dominar o filme, especialmente se pensamos em Cassino e Bons Companheiros) ou um Francis Ford Coppola dominariam, mas certamente não Ted Demme, ainda pelo menos. Ele força a barra o tempo todo tentando misturar um certo clima irônico, com um tom claramente épico, misturado com uma manipulação de linguagem que usa diferentes bitolas, trilha sonora onipresente e a indefectível narração em off. Mas o resultado possui tal mão pesada que nunca consegue ser crível, nunca consegue ser épico, nunca consegue estabelecer uma empatia com o espectador. Há coisas efetivamente patéticas que em filmes menos precários passariam batidas, mas que neste não dá pé, como a insistência em ter Ray Liotta e Rachel Griffiths interpretando os pais de Johnny Depp do início (quando ele tem 9 anos) ao fim do filme (ele já com 40 anos...), ou o próprio Depp na cena final, na qual teria seus 50 anos.

Mas ainda mais grave que suas ambições desmedidas em fazer este tratado sobre o mundo das drogas em sua gênese americana, acaba sendo o ponto de vista que veladamente assume. O filme é completamente misógino (as mulheres são todas uma pentelhas que atravancam a vida de seus homens, seja a mãe, seja a mulher, seja qual for), francamente conservador no que no fundo é uma defesa dos ideais americanos da vida em família, e preconceituoso ao extremo no retrato dos latinos (lugar comum no que se refere a americanos e drogas). Mas o pior é que o personagem de Depp consegue ser uma mistura de dois extremos que não há espectador no mundo que possa acreditar: antes de tudo um traficante de drogas que não se mistura em nenhum momento com nenhuma ação violenta que parta dele. Ele só sofre com seus sócios latinos, mas nunca parece ter visto uma arma. Em segundo lugar, quase um ingênuo na sua capacidade de ser seguidamente surpreendido e preso. Parece um dos Três Patetas, e fica difícil crer neste "Traficante bem Trapalhão" na medida em que ele vai subindo na carreira. Claro que o diretor pode com isso tentar mostrar o início "romântico" do tráfico de drogas. Mas, fale o que quiser, ouça quem tenha juízo. E pior: ele escala Penelope Cruz, a coloca em cena com uma hora e quinze de filme, e consegue suprimir sua beleza!!! Santo desperdício, Batman! Ao final de duas horas o que há é muita chateação, pretensão e incapacidade. Talvez daqui há uns vinte anos...

Eduardo Valente