Harry Potter e a Câmara Secreta,
de Chris Columbus

Harry Potter and the chamber of secrets, EUA, 2002


Agora com dois exemplares para poder analisar, uma conclusão parece estar ficando clara sobre a série Harry Potter no cinema, ou pelo menos sua parcela dirigida por Chris Columbus: os filmes simplesmente não sustentam as fontes de pressão exercidas sobre sua realização. Ou, explicando melhor: se considerados como fenômenos de marketing e bilheteria (que certamente é só o que importa aos seus produtores), o sucesso é óbvio. Mas, como obras cinematográficas parecem ter a permanência da maioria dos projetos de marketing: curta, muito curta. Falamos acima de pressões. De quais exatamente estamos falando? Certamente a primeira seria a pressão dos estúdios para que o diretor não fizesse nada que impedisse o retorno esperado na bilheteria. Mas há ainda outra tão forte e prejudicial quanto: a pressão dos milhões e milhões de leitores (além da autora) da série de livros que origina os filmes, checando se estes são "fiéis" aos seus objetos de adaptação. O resultado final dos filmes, até agora, se agrada aos estúdios e aos leitores, certamente não possui qualquer respiração além destes grupos. São filmes engessados, arrastados, sem qualquer charme ou magia (sem trocadilho) próprios.

Tomemos por exemplo este episódio de 2002. O filme sofre, dramaturgicamente, de pelo menos dois graves problemas: o primeiro e mais óbvio é um excessivo respeito pelo livro original, que faz com que o filme tenha pelo menos uma hora de duração mais do que sua trama pede. Descrições e mistérios que certamente eram deliciosos escritos e imaginados, tornam-se banais quando encenados, filmados e montados. Esta questão de duração excessiva gera o segundo problema: a necessidade de manter a atenção de jovens espectadores por mais de duas horas de exibição. Com isso, o filme passa a funcionar na lógica do videogame, onde a cada dez minutos é preciso uma cena de ação e "desafios", deixando o filme num estado constante de "clímax", o que lá pela meia hora fica cansativo, e torna os verdadeiros clímaxes automaticamente anticlimáticos, pois comuns e sem respiração entre eles.

Há ainda um terceiro problema, que também é da ordem da adaptação: a inconsistência entre a necessidade de criar um "problema" e um vilão espetaculares, e o fato de que ele precisa ser vencido, basicamente, por um garotinho. Assim, toda a solução final do filme soa forçada, apressada, preguiçosa (a participação de uma certa ave nesta parte, por exemplo, funciona como o maior dos "deus ex machina"). Porque afirmo ser este um problema de adaptação? Porque muitas coisas que parecem plenamente críveis ou mágicas quando descritas em papel e na imaginação do leitor, perdem boa parte de sua graça quando passados para a imagem na tela, e é o que acontece seguidamente aqui (em especial podemos pensar na encarnação física do tal "desafio" que é o basilisco: como mito parece muito mais assustador do que sua imagem de fato indica). Muito melhor seria mexer um pouco com a sagrada escritura original, criando vida própria para o filme, e liberdade para esse tipo de situação. Acaba que muitos dos personagens do filme vivem inconsistentes entre momentos em que são descritos ou surgem com forças descomunais, e a necessidade de serem plenamente frágeis logo em seguida.

A trama, então, se arrasta e se complica muito mais do que era necessário, se pensamos na sua posterior solução. Faz sentido num livro, onde a leitura pode se arrastar por dias e manter o mistério. No cinema, é só incomodativo. Enquanto isso, certos aspectos que funcionam especialmente bem na versão cinematográfica, como a interpretação de Kenneth Branagh ou a figura incrivelmente carismática de Dobby (o elfo doméstico) acabam subexploradas, por precisarem dar espaço ao que está programado no livro. Falta justamente ao diretor a liberdade de perceber que algumas coisas funcionam muito melhor do que outras como imagem e som, e que por isso valeria a pena aumentar sua importância e cortar outras passagens sem qualquer charme. Mas, não, ele parece só estar ali batendo ponto de cada passagem do livro, como qualquer burocrata faria.

Não se negue que, além destes pontos notados, há sensíveis melhoras deste para o outro filme (que parecia uma introdução de duas horas e meia): em especial um clima bastante soturno em uma série de passagens (como o flashback a partir do diário) que são francamente assustadores. Há na violência inerente a esta trama uma força maior pelo discurso francamente anti-nazista que envolve a questão de "raça pura" que lembra muito o uso que os X-Men fazem do tema. Além de uma utilização mais discreta, e por outro lado mais efetiva, dos efeitos visuais. Mas, infelizmente, não mudou o principal: a sensação constante de que nas frestas da história está tudo de mais interessante e não utilizado pelo filme (tantas vezes aparece um pequeno detalhe no fundo do quadro pelo qual ficamos intrigados, que logo é descartado para a história "andar"), enquanto a necessidade de seguir a trama engessa todo o resto e torna modorrento o que devia ser delicioso. Falta respiro e personalidade ao Harry Potter cinematográfico, que serve apenas como mero produto de multiplicação de receita aos estúdios da Warner. Como figura mítica, nada acrescenta, e até mesmo tira um pouco da aura do herói dos livros, porque diminui em imagens e sons o que antes era imaginação.

Eduardo Valente