Possessão,
de Neil LaBute

Possession, EUA, 2002

De Na Companhia dos Homens e Seus Amigos, Seus Vizinhos a Enfermeira Betty, desenhava-se a trajetória de um diretor independente que vai progressivamente desenhando seu percurso no cinema hollywoodiano oficial, à maneira de Steven Soderbergh. E, à maneira do diretor de Traffic e Erin Brockovich, mantendo nos filmes de grandes estúdios os traços que o caracterizavam no cinema independente. Se Enfermeira Betty era mais um exemplar do execrável cinema sádico e misantropo que Neil LaBute fez em seus débuts, Possessão já segue outro caminho, completamente diferente. O olhar cínico dá lugar ao olhar clínico, e o desprezo profundo aos personagens dá lugar a um distanciamento que vai do elegante (algumas vezes) ao estéril (a maioria).

Dificilmente poderíamos imaginar o interesse que Neil LaBute teria no enredo: dois pesquisadores de literatura inglesa da era vitoriana fazem juntos uma descoberta que poderia modificar completamente a visão sobre um poeta (renomado e importante) e uma poetisa (não tão considerada assim), num improvável enlace amoroso entre os dois. O jogo de espelhos flui naturalmente, e logo os dois pesquisadores trilham os mesmos caminhos dos escritores e se apaixonam. A relação especular vida/arte cai bem na mão de diversos cineastas, entre eles Jacques Rivette e Éric Rohmer, mas definitivamente não interessa nem um pouco a Neil LaBute. Sem real intervenção de um relato sobre outro, assistimos a dois modorrentos pedaços de ficção, um pomposo e vitoriano, outro recente e igualmente incipiente.

Merece particular atenção o trabalho de atores. Aaron Eckhart, como surfistão americano pós-depressão recém-chegado aos 30 anos, não convence nem a vovozinha. Grande parte da ausência de ponto de apoio com o público reside em seu miscasting e sua má interpretação. De seu lado, há Gwyneth Paltrow, que já percebemos como pode ser linda e sedutora em dois belos filmes, O Amor É Cego e Os Excêntricos Tenenbaums. Em Possessão, ela volta a exercer no máximo o charminho interiorano que a tornou famosa em Se7en e Shakespeare Apaixonado. Nada muito forte nem interessante. LaBute, que enquanto dirigia marionetes passava-se por bom diretor de atores, quando começa a dirigir personagens, enfrenta sérios problemas. Esteticamente, uma questão parece passar por sua cabeça: voltar a ser um diretor repugnante ou ser simplesmente mais um diretor sem talento? Possessão tende para a segunda opção.

Ruy Gardnier