Poeta de Sete Faces,
de Paulo Thiago


Poeta de Sete Faces, Brasil, 2002

Um grande artista, por mais diferentes que sejam suas obras, pode ser reconhecido por seu estilo particular, forte, notável, reconhecível até em seus momentos mais fracos. O estilo, expressão plástico-formal de uma sensibilidade vigorosa e do modo de vida do artista, é a face tangível da personalidade do homem por trás da obra. Carlos Drummond de Andrade é um grande artista, no caso, um poeta, e pode ser reconhecido através de suas mais diferentes fases, seja o provocador da juventude, seja o socialmente engajado dos anos 40, seja o evocador de memórias de seus últimos escritos; pouco importa: seu estilo perpassa tudo isso e revela uma sensibilidade forte e livre. Infelizmente, nada disso pode ser dito a respeito da obra de Paulo Thiago. De uniforme, apenas um traço, que entretanto jamais poderia ser confundido com uma marca estilística: a absoluta falta de personalidade em qualquer de seus filmes, sobre Policarpo Quaresma, sobre Drummond ou sobre o diabo a quatro. No caso, um documentário comemorativo (100 anos do poeta) não é a menor desculpa para esse painel sem grandeza nem poesia que é Poeta de Sete Faces. Há mil maneiras de tentar dar conta da obra de um poeta, e Paulo Thiago tenta todas. Encena a vida do homem, recita seus poemas, coloca-o na boca de cantores, populares e eruditos, faz criar balé em homenagem, chama amigos, críticos, poetas e filósofos para tentar dar conta da dimensão da obra do artista. Sabemos que quando um artista não está muito certo sobre a forma de lidar com o material que busca dilapidar para construir uma obra, ele usa todos, na tentativa de não falhar. Só que o erro capital é justamente o de não tentar nada especificamente forte, e de sarapintar no filme águas sempre de cor muito morna, tinta de aquarela que não pintam nem 3X4, que dirá um painel. Vê-se que um cineasta não tem a menor idéia do que faz quando, ao que o poeta fala "Itabira é um retrato na parede", mostra um retrato na parede. Ao que mencionam a palavra "pirueta", a imagem dá um 360º pra lá de chocho. De Andy Warhol, Lou Reed dizia que seu problema com os classicistas era que se eles vissem uma árvore, pintavam apenas uma árvore1. Mas pode haver coisa pior: quando surge no áudio do filme a palavra "subjetividade", sabe-se lá por que o diretor faz surgir na tela uma imagem de Freud (!!!!!) quando o vocabulário pertence inauguralmente a Husserl e à fenomenologia, contemporâneos mas jamais influenciados ou influenciadores do fundador da psicanálise. E, caro leitor, tenha certeza: não resta dúvidas que, mesmo com esse erro crasso, Paulo Thiago em Poeta de Sete Faces presta mais desfavores ao cinema do que ao mundo dos conceitos filosóficos.

Ruy Gardnier

1. Lou Reed & John Cale, "Trouble With Classicists", do disco Songs For Drella.