Plata Quemada,
de Marcelo Piñeyro

Plata quemada, Argentina, 2000


Nada pode ser mais atual do que créditos de abertura que mostram notas de peso argentino queimando... Aliás, é bom que se diga logo: fora qualquer previsão fenomenal, o filme, apesar do título e dos créditos, não possui qualquer relação com a situação argentina atual, como a que podia se ver, por exemplo, em Nove Rainhas. Não só ele foi lançado em 2000, como além disso ele se passa nos anos 50, baseado em história real. Talvez este detalhe, aliás (que inteligentemente nos é revelado no final do filme, e não no início), seja o que há de mais surpreendente no filme. Porque ele se permite um grau de liberdade poética e de retrato de personagens que beira o surreal no seu extremo obsessivo e psicótico como dificilmente se vê nestes filmes "baseados em fatos reais".

O filme se apresenta como um típico filme de assalto (os caper flicks americanos), pegando a herança que vem desde um O grande golpe até um recente Pulp Fiction, para se inserir de cabeça no cinema de gênero. Não só da melhor qualidade, mas com toques locais inegáveis na adaptação deste gênero, como a sexualidade à flor da pele e a narração em off usada com alguma ironia para indicar uma latente corrupção generalizada da sociedade. De repente, a surpresa: o assalto em si acontece bem cedo no filme, seguido por uma fuga que termina isolando os personagens num espaço (fechado a princípio, depois menos).

É aí que acontece a grande virada, pois ao invés do filme de ação que se apresentava, este é exatamente o contrário: um filme da não-ação, da espera. Os personagens aparecem o tempo todo confinados, esperando algo que nem bem sabem o que é. E desta espera é que emergem os dramas, que são inevitavelmente de desenho de personagens. Piñeyro demonstra coragem de neste desenho deixar seus personagens sempre à beira da loucura, mas sem perder com isso o espectador. Com isso, eles conseguem ser verdadeiramente cruéis e contar com nossa simpatia, ao mesmo tempo.

Tudo evolui o tempo todo para um final trágico, como se esperaria, com extrema violência. Mas, nem mesmo os excessos estéticos seja de fotografia ou de música quebram o interesse de um filme altamente intrigante e corajoso, não porque mostra algo de "novo" mas por mostrar o que mostra sem concessões narrativas que contrariem seus personagens e dramas.

Eduardo Valente