Pi,
de Darren Aronofsky

Pi, EUA, 1998

Darren não é Deus. Está muito longe disso. Ele só tem idéias, não muito originais, do que pode ser Deus. Rapaz inquieto, Darren deve gostar de filosofia, matemática, cinema e fica se atormentando na tentativa de compreender a realidade que tanto o impressiona. Inteligente e esperto, Darren também sabe que se ninguém, mais esperto e inteligente que ele, chegou até agora a uma ordenação absoluta do mundo ou encontrou Deus, não será ele o responsável por essa grande descoberta. Afinal, agora sou eu que filosofo, essa tal coisa, Deus, deve ser inominável, impossível de ser retratado, exposto, explicado. Acho que Darren chegou a essa conclusão e fez Pi. Se ele tivesse encontrado algo não faria nada.

Pi é o extremo oposto do que talvez seja Deus. Para começar, Pi existe realmente. Basta ver a projeção na tela. E para terminar, Pi é muito, muitíssimo comum. Sua linguagem modernosa não assusta ninguém. Darren faz filmes para um público que vive integralmente o seu tempo, aceitando massas de informação, engolindo tudo que pareça original, se entregando a qualquer experiência sem critérios, sem questionamento. Para essa geração tecno-pop, que já pasteurizou as vanguardas e arruinou os significados, não resta mais nada a não ser isso mesmo: consumir tremedeiras de câmera com fotografia em preto e branco e achar que é o máximo da possibilidade de expressão cinematográfica. Mas Darren vai além. Ele cria um universo difuso, não muito bem localizado no tempo, com espaço igualmente pouco determinado e o povoa com habitantes esquisitos. O tipo de gente que nunca encontrei na vida e desconfio que exista (e olha que eu conheço bastante gente estranha). Tudo apenas para fingir que Pi é interessante e diferente, carregado de significados extras embalados em uma linguagem absurdamente nova.

Isso soa mais como caretice. Darren não pensa no que faz, não vê que está repetindo fórmulas atrás de fórmulas. E isso é perigoso porque engana e o público compra Pi como o produto que Darren anuncia.

Quem não se lembra de Réquiem Para Um Sonho, aquele filme reacionário, moralista e ultra-modernoso de Aronofsky? Pi só confirma que Darren joga a linguagem, não cria, não a trabalha, achando que ela é um mero adorno que é melhor quanto mais rebuscada for. É impossível ver um projeto estético em Pi, assim como em Réquiem... Darren pode fazer filme sobre amor, corrida de carro, assalto a banco, guerra etc com essa mesma linguagem. Mas em Pi ele foi apenas um herege, que usou Deus como tema culto para dar crédito as suas alucinações de cineasta.

Darren Aronofsky e Deus não podem coexistir no mesmo universo. Nos sobrou Aronofsky. Eu não duvido da sua existência.

João Mors Cabral.