Por
um Fio,
de Joel Schumacher
Phone
booth, EUA, 2003
Joel Schumacher. Poucos nomes causam tanta apreensão nos cinéfilos,
poucos cineastas são tão constantemente ineptos. Schumacher
um pontos de vista e ambições autorais (ao menos em parte
de seus filmes), o que não significa que eles sejam interessantes
ou sequer que ele seja capaz de articulá-los. Isso dito, Por
um Fio é um bom filme, apesar de Schumacher, mas também
por causa dele.
Explica-se: o filme
que Joel Schumacher queria fazer era um filme muito ruim, uma bobagem
sobre um sujeito sacana que era punido por seus pecados por um ser superior
(Deus ou o próprio Schumacher, se você preferir) e graças
a este se "corrige" e vira um bom homem. Só que este
não é Por um Fio, por uma razão: Schumacher
é incapaz de construir um filme. O diretor não compreende
como articular o meio, é incapaz de imprimir seu ponto de vista
no que filma, porque não sabe sequer fazer com que os talentos
dos demais envolvidos convirjam em direção ao filme que
ele gostaria de realizar. Assistir Por um Fio é por vezes,
em suma, ver imagens (e ouvir sons) escaparem ao controle do seu autor,
e ao menos desta vez isto é muito bom.
O som é muito
importante em Por um Fio, um filme onde um personagem-chave é
essencialmente uma voz e um filme que também é um longo
diálogo. Schumacher, a julgar por este filme, deve ser surdo, incapaz
de perceber as sutilezas da voz, porque se imageticamente nós ainda
possamos sentir em que direção Schumacher quer que seu filme
vá, seja na abertura no espaço seja no tratamento visual
decadente dado a rua onde o grosso da ação se passa, ele
não tem controle nenhum sobre a banda sonora que o tempo todo parece
negar aquilo que em pequenos lapsos parece se formar como a visão
de Schumacher.
Isto se soma ao roteiro
de Larry Cohen (um cineasta bem melhor que Schumacher, diga-se) que parece
tentar jogar o filme numa direção sempre oposta a do diretor,
e mediocridade que sempre é, Schumacher serve ao roteiro muito
mais do que se serve dele. Por um Fio acaba sendo impulsionado
pelo roteiro de Cohen e pela voz de Kiefer Sutherland, voz que conduz
todo o filme, e revela tamanho sadismo, tamanho prazer no ato de torturar
o pecador que Schumacher se propõe em regenerar, que acaba denunciando
as verdadeiras intenções do diretor.
Schumacher se crê
superior e capaz de julgar seu protagonista, capaz de apontá-lo
para uma vida melhor, etc. Se identifica completamente com o atirador
do filme, o personagem que paira sobre todos os outros, que os julga como
dignos ou não. Só que na sua incompetência Schumacher
também acaba se expondo porque o tal atirador/Schumacher é
também o vilão do seu filme, um grande manipulador, que
mata, mente, tortura e se diverte enquanto faz tudo isso. O prazer do
personagem, prazer bem exposto na voz de Sutherland, é o prazer
de Schumacher. Por baixo dos desejos aparentemente regeneradores e de
"boa intenção" do cineasta, reside primordialmente
a vontade de torturar, de punir, e o filme que ele faz menos realiza estes
desejos, do que os expõe.
Ficamos com um filme
inevitalmente esquizofrênico, mas interessantíssimo no que
revela. Pela incompetência de seu diretor, o que deveria ser um
exercício em sadismo, à la Michael Haneke (pontuado com
lição de moral no final), acaba se tornando um filme sobre
o sadismo dos cineastas que se propõem a fazer este tipo de filme.
Filipe Furtado
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