Pearl
Harbor,
de Michael Bay
Pearl Harbor, EUA, 2001
Chamar um filme como Pearl Harbor
de "cinemão americano" pode parecer o mais retumbante
clichê por parte de um crítico, pode parecer um grande simplismo
barato, recalque diante das montanhas de dinheiro gastas e ganhas com
apenas um melodrama de guerra mas isso só acontece se o clichê
de "cinemão" for automaticamente visto como pejorativo,
automaticamente associado ao status de "lixo" cultural.
Se Pearl Harbor fosse um "lixo",
felizes seríamos nós, brasileiros que se interessam por
cinema, pois não teríamos que abrir o jornal e ver o enorme
pergaminho listando as inúmeras salas de cinema que exibem o dito
cujo explosivo... O problema é justamente esse: descontadas as
pressões político-econômicas das todas-poderosas distribuidoras
internacionais, essa porcaria de filme que se chama Pearl Harbor
é um grande e inteligente filme.
Grandiosidade não é nenhuma
novidade seja no âmbito geral do cinema de Hollywood, seja na obra
específica de Bay (ele dirigiu o Armageddon, lembram?)
explosões por todos os lados, seqüências que custam
mais do que o PIB de pequenos países africanos, som hiperultradigital,
três horas de projeção... É, tamanho por tamanho,
o elefante branco norte-americano é mesmo dos maiores. Mas, seja
essa tamanha jamanta de clichês, por que será que não
se foge de um filme como esse como se fugiu de um fracasso como, por exemplo,
A Ilha da Garganta Cortada (que faliu a produtora Carolco responsável
por sucessos como Robocop)?
Não se foge porque a porcaria do filme
é muito mais do que um filme de aventuras e pura diversão
pelo contrário, é meticuloso no estabelecimento de seus
personagens e em sua redenção histórica diante do
episódio de Pearl Harbor. Bay conseguiu transformar uma tragédia
numa grande fantasia em torno da guerra, soube como poucos mostrar a suposta
fragilidade dos EUA ("país de playboys") como forma de
bajular a força do "gigante adormecido" ( fala do general
japonês no filme) que acordava para conquistar o mundo.
Todo o filme trabalha com essa ferramenta
seja o presidente americano encerrado numa cadeira de rodas e que consegue
se erguer para dar a ordem de ataque, seja no personagem do canastrão
Ben Afleck que quer ser herói apesar de sua deficiência de
aprendizado, ou em seu amigo mal-tratado pelo pai enlouquecido... O filme
todo é assim estruturado: começa-se por baixo, em desvantagem...
mas com uma vontade e uma força advinda não se sabe de onde,
ergue-se o prumo e ruma-se à glória da vitória. Costurando
as histórias pessoais com essa espécie de tese da genealogia
da hegemonia estadosunidense, o filme consegue fazer do próprio
país EUA um personagem que, apesar de começar acanhado e
perdedor, dá a volta por cima...
Ora, ora, um filme que consegue transformar
o gigantesco império americano num personagem oprimido e frágil
(o ataque dos 16 aviões na seqüência final consegue
transformar os EUA em David diante do Golias japonês) que se levanta
e se impõe ao mundo por seus valores pessoais, merece atenção.
Diferentemente de seu filme anterior, onde fazia a fragilidade dos EUA
surgir de um imponderável Asteróide em rota de colisão,
em seu novo filme, Bay transforma os EUA historicamente em vítimas
que souberam vencer os desafios... O gigante americano imaginado pelo
general japonês é apenas insinuado pelo filme que termina
com letreiros que praticamente dizem: "...e desde então viveram
felizes para sempre e conquistaram o mundo!" O filme é ruim,
o filme é estúpido? Não creio é uma gigantesca
esperteza transformar um país em guerra numa espécie de
personagem de melodrama, em herói romântico em busca de sua
honra perdida.
Carregando em interpretações
caricatas e em diálogos melosos, o filme tenta trabalhar com uma
espécie de sinceridade histórica e um cinismo absurdos
os inimigos japoneses são tratados com respeito, com seriedade
admite-se o erro americano que permitiu o ataque nipônico... Mas
de que forma? Usando isso justamente para provar o quão valorosos
eram os inimigos derrotados e o quão necessária era a virada
dos EUA da passividade para a ação na guerra. Em certo momento
do filme o general japonês manda outra pérola, após
ter sido elogiado por sua inteligência: "Um homem inteligente
não precisaria fazer uma guerra." Até nisso o filme
é eficaz, fazendo-se de politicamente correto faz de tudo para
taxar a guerra como um erro ao qual os EUA tiveram de se expor para defender
sua própria integridade...Um erro necessário para defender
o bem-estar das famílias norte-americanas, e seu modo de vida pacato.
Algo como: "nós só queríamos ficar aqui vivendo
nosso american way, mas vocês vieram nos atazanar a vida...deu
nisso!"
Um filme muito mais perigoso e ideologicamente
ativo do que apenas um "lixo" da cultura fast-food um filme
perigoso justamente por esse certo tom de fábula que termina com
o "felizes para sempre..." Como que fechando um ciclo ali, cristalizando
o domínio norte-americano como essa felicidade dos contos de fada
que se estendem pelas reticências...
Um grande e odioso filme, uma ferramenta
política poderosa. Uma bomba.
Felipe Bragança
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