A
Paixão de Jacobina,
de Fábio Barreto
Brasil,
2002
Filme extremamente ambicioso, este Paixão de Jacobina narra
os fatos relacionados ao movimento messiânico ocorrido no Rio Grande
do Sul em 1874 e conhecido como Revolta dos Mucker, mesmo episódio
que já havia inspirado Os mucker (1978), de Jorge Bodanski
e Wolf Gauer. O filme de Fábio Barreto, seja por desleixo ou mesmo
por total incompetência, falha por completo em atingir estas ambições,
seja como reconstrução histórica, seja como retrato
de uma personagem complexa e polêmica, e seja mesmo como um espetáculo
de cinema popular.
Visto sob o viés
de uma aula de história, A paixão de Jacobina não
consegue inserir o espectador no contexto no qual se deram os fatos. As
poucas informações sobre um Rio Grande do Sul empobrecido
após a guerra contra o Paraguai não nos levam a compreender
as razões que levaram uma figura obscura como Jacobina a conseguir
fiéis seguidores, assim como a natureza de seu discurso, que o
filme mostra como inicialmente pacífico, mas que aos poucos acaba
por desembocar em uma onda de violência, onda esta que o roteiro
acaba por reduzir a explicações maniqueístas, como
sendo inicialmente deflagrada por um antipático ladrão de
cavalos (o Caolho) e perpetuada por um truculento guarda costas da líder.
Também nenhuma informação consistente é transmitida
sobre as consequências e a repercussão da revolta, sejam
estas restritas ao Sul ou no contexto do Brasil Imperial. O filme também
perde a oportunidade de refletir sobre a ocorrência de um fenômeno
místico-messiânico, tão mais caro a populações
católicas e latinas, em uma comunidade de culto luterano, religião
fortemente associada a um racionalismo nórdico-germânico.
A protagonista Jacobina
em nenhum momento do filme é retratada de forma coerente. Após
uma hora e quarenta de filme, pouco conhecemos sobre as reais razões
que a levaram às suas visões e pregações.
Inicialmente tratada como uma adolescente romântica e chorosa, cuja
fraqueza física e sensibilidade não se enquadram perante
as exigências de sua realidade familiar e social, em outros momentos
a Jacobina de antes das visões parece ser quase uma debilóide.
A forma como se mostra o momento em que Jacobina afirma ter recebido a
mensagem divina e se assume como santa, pode ser até interpretado
como consequência de uma fuga ou crise de consciência após
trair o marido com o primo e grande amor da sua vida. A partir deste momento,
a personagem passa a ser uma espécie de São Francisco de
Assis, ou mesmo uma pré-hippie, despojando-se de bens e vida material,
vestindo um camisolão e usando cabelos desalinhados, fazendo um
discurso paz e amor. Mas em diversas passagens também vemos Jacobina
como quase um zumbi, perdendo a consciência e repetindo automaticamente
trechos da Bíblia em suas pregações. E para piorar,
mesmo sem oferecer um retrato psicológico uniforme da personagem,
o filme também acaba por não contestá-la, parecendo
aceitar ou mesmo acreditar de forma passiva em sua frágil e questionável
divindade.
As falhas de contextualização
histórica e psicológica de A paixão de Jacobina
acabam por ser ainda mais ressaltadas por diversos problemas e deficiências
no que tange ao artesanato cinematográfico. O roteiro, principalmente
na segunda metade do filme, é por demais episódico e frouxo,
simplesmente jogando na tela fatos e situações, sem que
sejam devidamente explorados e concluídos, apresentando uma série
de buracos na narrativa que aparentam transparecer cortes drásticos,
seja no tratamento final do roteiro, seja durante a finalização
e montagem do filme. Alem disso, a escalação do elenco é
no mínimo equivocada. Confiar uma personagem a princípio
multifacetada como Jacobina a uma atriz de tão poucos recursos
como Letícia Spiller acentua sobremaneira as falhas já apontadas
quanto à sua caracterização. Thiago Lacerda, como
o primo, e Alexandre Paternost, o marido de Jacobina, são de uma
incompetência tão grande que parecem mesmo contagiar bons
atores como Antônio Calloni e Werner Schunemann.
E não vamos
aqui aliviar a culpa do diretor Fábio Barreto no total desastre
que é A paixão de Jacobina. Mesmo após comandar
meia-dúzia de filmes, Fábio não parece ter adquirido
maior intimidade com o ofício da realização cinematográfica.
Pretendendo copiar um já frágil modelo de cinema histórico,
Fábio acaba por alternar sequências por demais duras e solenes
a outras que beiram o ridículo. Por exemplo, após a primeira
"cura" operada pela protagonista, esta começa a cantar
um hino sobre a Bíblia, mas isto se dá de forma tão
bizarra, que nos traz à mente A noviça rebelde, parecendo
que as demais figuras em cena não tardarão a também
cantar e dançar. E quando Jacobina vai presa durante um longo período
de perda de consciência, só consegue ser acordada quando
um de seus seguidores sussurra em seus ouvidos o mesmo hino, parecendo
uma "sub-bela adormecida". Pior ainda ocorre nas sequências de tiroteio
e morte durante as quais a direção pretende sem sucesso
imprimir um clima de western. Sob todos os aspectos não
há ambição do filme e seu diretor que resultem bem
sucedidas.
Gilberto Silva Jr.
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