O Pacto dos Lobos,
de Christophe Gans
Le Pacte des Loups, França,
2001
A que ponto pode chegar
uma cinematografia afoita por digerir o que há de mais "muderninho"
no cinema de ação e efeitos especiais?... Chega mesmo a
ser engraçada a forma como as lutas marciais e as cenas de ação
gratuita se costuram com os diálogos mordazes (tipicamente franceses)
nessa que é uma das maiores aberrações do cinema
nos últimos anos.
O filme todo é
um espetáculo fora de tom. Christophe Gans não se consegue
estabelecer em momento algum em que universo diegético trabalha
sua narrativa. Fantasia? Alegoria? Violência realista? Violência
fantasiosa? O suposto jogo entre a modernidade factual e o mundo mítico
do passado torna-se um labirinto sem nexo que deixa o espectador à
deriva. Como num pastiche involuntário entre Mortal Kombat
e Rainha Margot (ah, heresia...), boiamos entre imagens que parecem
não se articular, em tons de narrativa que não se comunicam.
A cada nova seqüência, um novo desafio: afinal de contas a
que filme estou assistindo? São tantos elementos, tantas motivações
aleatórias, que a sensação é de que não
se vê nada...
O mistério
em torno da tal besta é quebrado de forma grotesca quando o animal
surge computadorizado diante da tela. Misto de intriga política
com conspiração de homens maus que querem dominar o mundo
(típica das fábulas) os motivos para o tal Pacto dos Lobos,
podem ser facilmente entendidos, mas não alcançam afetivamente
o espectador. Não há sintonia alguma entre imagens e olhar.
Há risadas, isso sim. Há um espanto hilariante das senhoras
bem-educadas que lotaram a sala do Estação Botafogo para
ver "filme francês" e viram um lorde vestido de índio
norte-americano dando flechadas num monstro digital. Essa falta de tom,
com a intenção e desculpa esfarrapada de misturar os universos
do moderno e do mítico, é um verdadeiro desastre dramatúrgico.
Não há coerência interna, mas apenas um pastiche de
si mesmo, repleto de maneirismos videográficos (Hollywood) e do
excesso de personagens (típicos dos filmes de Côrte do cinema
francês).
Resta ao espectador
tentar embarcar no absurdo, no sem nexo e se divertir com a falta de previsibilidade
do roteiro, que parece não se resolver nunca entre a narrativa
clássica do herói e a tentativa de uma história mais
cínica, mais crítica em relação a seus hábitos.
Na última hora do filme, quando a aventura espalhafatosa realmente
se inicia, o espectador já está perdido e quase não
participa mais dos eventos. Resta a ele observar (com um mínimo
de fruição cinematográfica) um monte de saltos e
piruetas, um acumulado de filosofices indígenas, a beleza de Monica
Belucci, e uma cena final à Titanic.
Horrível e
difícil de acreditar, como a própria Besta, O Pacto dos
Lobos é fruto de uma esquizofrênica tentativa de ser
um filme sinceramente francês e ao mesmo tempo não sê-lo.
Quanto mais próximo da diegese norte-americana (dos filmes de ação
fantasiosa), mais ridículas ficam as tentativas de pincelar o filme
com elementos da cultura francesa.
Metáforas e
computações gráfica demais. Cinema de menos. Curioso
como um monstro de circo.
* *
*
Mas e quanto ao sucesso
do filme nos cinemas franceses?
Fica, imagino, por
conta do absurdo e do ineditismo. Imaginemos uma super-produção
brasileira onde índios e sacis pererês se enfrentassem dando
piruetas e matando-se como nos melhores (ou piores) filmes de porrada
do Van Damme? Onde bandeirantes enfrentassem monstros da floresta com
golpes de caratê? Ou o ET de Varginha... Isso somado a efeitos de
última geração, elenco de belos rapazes e moças
e uma gigantesca campanha de divulgação.
Minha curiosidade
aponta para outra questão: esses milhões de espectadores
franceses que assistiram ao filme, gostaram do que viram? Repetir a fórmula
daria certo? Ou seria o caso apenas de um sucesso de um ato só,
dependente de novos e inéditos absurdos chamativos?
Deve ter produtor
brasileiro coçando a cabeça para ter uma idéia dessas...
(e um orçamento daqueles!)
Felipe Bragança
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