Pacto de Justiça, de Kevin Costner

Open Range, EUA, 2003

No inevitável tiroteio que ocorre no clímax de Pacto de Justiça, muitos habitantes da cidade onde a ação se passa abandonam suas casas e vão observar tudo bem de longe. Quando ele acaba, voltam para recolher os mortos. Não é algo comum de se ver em faroestes, mas segundo Kevin Costner ele descobriu que era algo comum em livros sobre a época. Que este detalhe tenha saído de uma pesquisa e não de outros filmes diz muito sobre este trabalho de Costner.

O faroeste como gênero cinematográfico é um gênero morto como nenhum outro, só ressurge muito ocasionalmente e raramente em filmes dignos de nota. De certa forma, o gênero já estava rumando para o cemitério quando imigrou para a Itália na forma do spaguetti western e perdeu de vez os vínculos que tinha para com o período para se tornar finalmente o puro mito com o qual sempre flertou. Isto a principio deu ao gênero uma certa vitalidade, mas a longo prazo foi desastroso para estes filmes, já que o faroeste é um gênero cinematográfico eminentemente histórico, ligado como está a um momento e espaço específico. Não é o lugar mais adequado para as reflexões construídas a partir de outras imagens que começaram a se tornar comuns a partir do fim dos anos 60/inicio dos 70 (não coincidentemente, momento em que o declínio do gênero se tornou evidente). Não à toa, a maior parte dos filmes revisionistas – que queriam "corrigir" faroestes anteriores –, salvo raras exceções, nunca funcionaram. Os poucos bons filmes do gênero conseguiam ligar, já nesta altura inevitável, a consciência do diretor sobre a evolução do faroeste com algo mais sólido que lhe garantia uma relação com o período.

Dado este contexto, impressiona muito em Pacto de Justiça como o filme passa ao largo na maior parte do tempo por qualquer auto-consciência sobre o exercício que realiza. Trata-se de um filme que estabelece uma relação tão sincera com o seu material e o universo que ele aborda que a cinefilia de Costner se torna quase irrelevante. Não que ela não exista: sentimos ecos de Os Imperdoáveis em alguns momentos, de John Ford em outros, mas o filme nunca caminha em direção a uma homenagem/reflexão sobre estes filmes. Mais, a sinceridade do Costner consegue que ele tire o melhor de material que provavelmente soaria excessivamente batido no papel.

O título original Open Range pode significar tanto uma vasta cadeia de montanhas, como a extensão da mira de uma arma. O filme e seus personagens não deixam de estar divididos entre estas duas traduções, assim como entre a vastidão do espaço a céu aberto dos campos pelos quais cavalgam e o mais complicado espaço da cidade. Costner é um cineasta que gosta de contemplar a natureza e ele faz um uso muito bom aqui das suas locações – tanto as da cidade como as fora dela.

Costner constrói a sua história de Pacto de Justiça com calma, deixando os elementos aos poucos caírem em seus lugares. Ele gasta muito tempo apresentando os vaqueiros, mostrando-os conduzir o gado pela vastidão do oeste, lidando com as dificuldades do clima, matando o tempo, etc. Uma introdução longa, mas necessária, para o filme que Costner quer fazer. E não deixa de se admirar que se dedique tanto tempo à parte inicial –ou às diversas cena posteriores entre ele e Robert Duvall –, especialmente dada a importância que a captação de movimento tem dentro do filme. Vale ressaltar também que para alguém com a má fama de narcisista e auto-indulgente, Costner surpreende ao deixar Duvall comandar o filme, se tornar pouco a pouco o centro dele (e ajuda que Duvall seja excelente tanto fazendo discurso quanto segurando uma xícara de chá).

Pacto de Justiça se estabelece como uma história de vingança, mas Costner toma cuidado ao lidar com o assunto. Especialmente no clímax, um tiroteio muitíssimo bem coreografado que é elevado nem tanto por isso, mas pelo senso de destruição que acompanha violência nele. Poucas seqüências de ação do cinema recente parecem ter o olhar tão voltado para o impacto que cada bala, cada ato pode ter naqueles que tomam parte dela. Como se Costner, dentro da sua tentativa de emular um momento passado, nos indicasse que a violência contida nos antigos filmes do gênero podia ser grande, mas que ela não vinha acompanhada de tamanho descaso por parte de quem vê.

Filipe Furtado