O
Tango e o Assassino,
de Robert Duvall
Assassination
Tango, EUA, 2002
A trajetória
bissexta de Robert Duvall como diretor parece regida pela mesma impresivibilidade
lógica que norteia suas opções como ator. Que ele
é um mestre neste ofício, não se discute, mas muitas
das suas escolhas são, no mínimo, questionáveis (como,
por exemplo, recusar retomar o advogado Tom Hagen em O Poderoso Chefão
3 para fazer o treinador de Tom Cruise no medíocre Dias
de Trovão). Na direção, prefere trabalhar com
produções independentes, de pequeno orçamento, como
o anterior, o denso e excepcional O Apóstolo.
Daí a surpresa
vinda deste O Tango e o Assassino que, embora envolto em uma trama
criminal, é, acima de tudo, uma declaração de amor
feita para sua namorada bem mais jovem, Luciana Pedraza, e a Argentina
natal desta. O que, a princípio, nos deixaria com um certo pé
atrás com relação ao filme, pois nestes casos é
muito grande o risco do diretor deixar-se levar demasiadamente pelo lado
emocional, comprometendo o equilíbrio do trabalho final. Aqui,
em especial, Duvall consegue, na maior parte do tempo, driblar as armadilhas
inerentes a sua opção, fazendo um filme que foge um pouco
do óbvio.
A história
do assassino em fim de carreira que vai a Buenos Aires executar um contrato
já surpreende a partir da caracterização do protagonista,
interpretado pelo próprio Duvall. Longe do estereótipo do
assassino frio, a personagem é vista como homem de família
cordato e afetuoso, principalmente no relacionamento com sua enteada.
Seu passado de crueldade é sugerido, mas o que passa mesmo é
sua opção por um final de vida tranqüilo. A imagem,
a princípio paradoxal, de "matador-gente boa" é
sustentada até pela natureza da missão que tem a cumprir:
a execução de um general responsável por muitos desaparecimentos
durante a ditadura militar na Argentina. Garante, com isso, a simpatia
do espectador para com sua personagem.
O ponto de vista de
Duvall em O Tango e o Assassino nunca é o da superioridade
ianque, impositiva e preconceituosa para com o que lhe é diferente.
Muito pelo contrário, Duvall, assim como sua personagem, demonstra
um fascínio pelo novo mundo que se descortina numa Buenos Aires
que nunca é filmada como cartão postal, mas sim mostrada
em seus recantos obscuros, como o hotel no qual o assassino é hospedado.
Seu personagem pretende aprender e compreender a real natureza do tango,
bem diferente daquilo que conhecera previamente como tal, ou seja, a imagem
clichê através da qual os americanos delineam os estrangeiros
e sua música. Da mesma forma, Duvall filma as danças com
paixão, mas de maneira seca, desglamurizada e bem distante dos
fru-frus e da pirotecnia da dupla Carlos Saura - Vittorio Storaro.
Com todos estes acertos,
O Tango e o Assassino, não deixa de ter também suas
limitações, e como não podia deixar de ser num "filme-declaração
de amor", a maior destas é a própria Luciana Pedraza,
um desastre quando tem que interpretar ou falar mais que duas frases,
mas inquestionavelmente graciosa, principalmente ao dançar. A trama
policial deixa também bastante a desejar, com alguns furos e incoerências.
Só que estas também parecem reforçar a todo tempo
que estão ali somente como um pretexto ou elemento de ligação
para que Duvall realize um filme curioso e sinceramente apaixonado e,
acima de tudo, partilhe de forma eficaz esta paixão com a platéia.
Gilberto Silva Jr.
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