Os
Vigaristas, de Ridley Scott
Matchstick
Men, EUA, 2003
A primeira meia-hora de Os Vigaristas
parece um reflexo da carreira de Ridley Scott, cineasta com altos e baixos,
que ao longo de mais de vinte e cinco anos jamais se fixou a um gênero
ou desenvolveu um estilo pessoal. Ao invés de um mesmo filme, temos
a impressão de estarmos assistindo a três deles ao mesmo
tempo: uma comédia sobre um personagem neurótico, um filme
de golpes e trapaças (como, aliás, sugere o título)
e um melodrama de reencontro entre pai e filha. Todos eles banhados pelos
cacoetes publicitários tão característicos de Scott
e que transparecem de forma mais intensa nos piores momentos de sua carreira,
como Perigo na Noite ou Chuva Negra.
Essa indefinição de rumos sugere
um sério comprometimento no que tange à comunicação
com o espectador, pois além da própria esquizofrenia inerente
ao filme, todo o trabalho de câmera e montagem desenvolvidos por
Scott leva a uma frieza e distanciamento. Tais opções estéticas
prejudicam sobremaneira o envolvimento com o protagonista Roy, que apesar
de sua concepção um tanto caricatural, é muito bem
defendido por Nicholas Cage, em sua melhor atuação nos últimos
anos, e que, ao contrário do diretor, demonstra acreditar conscientemente
naquilo que faz. É do bom entrosamento entre Cage e a jovem atriz
Alison Lohman que nasce alguma empatia, suscitando tardiamente algum interesse,
a partir do momento em que Os Vigaristas demonstra querer repetir
um pouco da história do ótimo Lua de Papel, dirigido
por Peter Bogdanovich em 1973.
Só que Lua de Papel, assim
como qualquer bom filme sobre personagens trambiqueiros, como os recentes
Onze Homens e um Segredo ou Uma Saída de Mestre,
prescinde de um clima de moralismo, evitando um julgamento das atitudes
das personagens, estabelecendo uma cumplicidade entre estas e a audiência,
coisa da qual Os Vigaristas raramente consegue se aproximar. Pelo
contrário, sua parte final, que não abre mão de uma
série de viradas e surpresas de roteiro já bastante vulgarizadas,
acaba concretizando um tom de conformismo moralista, pois, no frigir dos
ovos, o filme não passa da história da transformação
de Roy num pai de família honesto e trabalhador, que consegue liberar-se
de seus traumas e neuroses.
Ao longo da história do cinema americano,
vários cineastas vêm fazem aquilo que se convencionou chamar
de "filmes de contrabando", nos quais fitas aparentemente leves
ou inócuas estavam embutidas de alguma forma de sátira ou
crítica ao sistema. Em Os Vigaristas, Ridley Scott e os
roteiristas Nicholas & Ted Griffin conseguem fazer justamente o oposto.
Partem de um argumento de crime e trapaça, que na verdade não
passa de uma refilmagem mal-disfarçada de Nove Rainhas,
para fazer um filme que exalta os valores familiares e do american
way of life. Reflitamos então: quem seriam neste caso os verdadeiros
vigaristas?
Gilberto Silva Jr.
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