Os
Normais O Filme,
de José Alvarenga Jr.
Brasil, 2003
O principal risco assumido pelo projeto de
levar às telas de cinema um longa-metragem com o casal protagonista
da série Os Normais consiste no temível esvaziamento
da proposta num simples diálogo com o público pré-formado
pelo programa de TV, o que faria pouco ou nenhum sentido além do
comercial. Se o risco se faz justificado ou não, é algo
que o filme em si não entrega com clareza (embora indicie vez ou
outra). A relação entre programas de televisão contemporâneos
que fazem sucesso e suas adaptações (bem ou mal sucedidas)
para o cinema da retomada, ou, mais amplamente, a relação
entre estética e temática televisivas e sua "intrusão"
no cinema, é algo que merece um estudo à parte, um estudo
que não se feche nos universos de um ou de outro meio, mas que
saiba perspectivar o fenômeno em toda sua extensão e ainda
inseri-lo num panorama histórico-crítico da cultura brasileira.
Por ora, cabe buscar entender uma proposta como a de Os Normais – O
Filme.
Ao contrário do que muitos pensam,
Os Normais – O Filme não passa somente uma idéia
de episódio alongado, ainda que seja quase isso. Apresentando-se
como um processo anterior ao próprio seriado, uma espécie
de piloto que nunca havia sido exibido, o filme acaba dando a impressão
de que Vani e Rui (personagens de Fernanda Torres e Luiz Fernando Guimarães)
só visitaram o cinema, acima de qualquer outra razão, para
experimentar o prazer revigorante do palavrão de boca cheia (resgate
de um traço marcante num certo cinema nacional, menos presente
hoje do que em outros tempos). O filme mostra como Vani e Rui se conheceram
e se apaixonaram. Não há como não pensar que essa
escolha se deve mais à tentativa de escapar ao óbvio do
que a uma reserva de criatividade resguardada para o cinema pelos idealizadores
da comédia televisiva. Ou seja, buscou-se justamente fugir da sensação
de que se trata de um episódio estendido, acorrendo a um momento
de suposta gênese daquilo que rapidamente comporia as private
jokes e os lugares comuns do universo alimentado pelos 71 episódios
– orgulhosamente ostentados num letreiro ao final do filme – que o programa
já rendeu.
Os Normais não tem no hiper-clichê
seu motor de arranque (procedimento básico de McG em As Panteras
Detonando, por exemplo), mas antes desenvolve com ele uma relação
anfótera, ora reduzindo sua estrutura ao significado mais simples
possível (como na perseguição encenada com carrinhos
de brinquedo numa cidade-maquete), ora sublinhando sua propriedade de
atingir resposta imediata a partir do modelo pré-dado e inalterado
(a dança tresloucada de Vani e Rui ao som de "Footloose"). Mesmo
que o clichê, de uma maneira geral, funcione por reflexo patelar,
José Alvarenga Jr. não se furtará à missão
de criar uma via alternativa que leve a piada ao cérebro, mas sem
fazer de Os Normais uma comédia refinada. Para dizer a verdade,
seu filme preza pela tirada de mau gosto proposital, pelo humor escrachado,
não raro escatológico. Entreter e/ao desmistificar (a quebra
do "encanto mágico" da cerimônia de casamento, os noivos
hipócritas que traem em plena noite de núpcias). Uma comédia
anfetamínica, calcada em situações taquicárdicas,
diálogos verborrágicos e aspectos de encenação
que corroboram o tom de escárnio permanente.
Todo o repertório-chave do programa
está lá, incluindo as cenas de estúdio com cenários
exageradamente falsos. Num certo sentido é um filme-confirmação
(do sucesso do programa, das suas opções estéticas,
do tipo de humor de que lança mão), mas que na maior parte
do tempo parece incorporar o embromation da música de sua cena
de créditos iniciais e edulcorar sua narrativa com versos simultaneamente
desavergonhados e displicentes. Um filme de brinquedo que, ao se assumir
assim, oscila entre uma ingenuidade de formas e uma imaturidade perversa
de conteúdo (os personagens de "boca suja", as piadinhas de duplo
sentido, a pornografia soft). Entre o elogio do falso (às vezes
até muito bem resolvido) e um inelutável olhar crítico
sobre a vida em casal, resta um vazio a ser preenchido não pelo
piloto automático ajustado pela trajetória considerável
do programa televisivo, mas por uma vontade verdadeira de dizer algo mais
além dos palavrões que a Rede Globo não permite no
horário nobre.
Luiz Carlos Oliveira Jr.
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