O Príncipe,
de Ugo Giorgetti

Brasil, 2002


Nos filmes anteriores de Ugo Giorgetti como Festa e Sábado, por trás de todo o humor havia um claro senso de desencanto e melancolia. O Príncipe longe de ser uma grande virada de rumo, como alguns sugeriram, apenas amplifica esta sensação, sem com isto abrir mão do humor característico do diretor. Pelo contrário, o que Giorgetti propõe em O Príncipe é, antes de tudo, uma continuação de um longo projeto cinematográfico, o deslocamento do auto-exilado (Eduardo Tornaghi) se depara ao retornar ao país, não está muito distante do dos jogadores de sinuca de Festa ou da equipe de filmagem de Sábado.

Se há alguma novidade em O Príncipe, ele parece ser espacial. Nos melhores trabalhos do diretor se destacava justamente uma cuidadosa construção da relação entre seus personagens e espaços confinados sempre usados habilmente. Aqui o espaço se amplia para todo São Paulo e Giorgetti faz a transição para o espaço aberto da grande cidade com bastante sucesso (o que não ocorrera em Boleiros). O cineasta consegue resultados especialmente expressivos nas externas, buscando algo ao mesmo tempo familiar e estranho a pontos conhecidos dos paulistanos. Fazia tempo que um filme não aproveitava tão bem o potencial cinematográfico da cidade.

Mas o espaço nos filmes do Giorgetti nunca existe desassociado dos personagens e aqui está o maior mérito do filme. Com o ponto de partida proposto pelo diretor (um homem que vivera mais de 20 anos em Paris reencontra os amigos ao voltar a São Paulo) corria-se o risco de criar-se apenas um olhar de desprezo para cada um dos tipos que desfilam pela tela ou de então fazer um filme piegas e conciliatório. Giorgetti foge das duas hipóteses. Ao contrário do que se escreveu, não se trata nem de um O Reencontro brasileiro, nem de um novo Cronicamente Inviável.

Ao invés disso, Giorgetti opta por não julgar as decisões de seus personagens. Marino Esteves (Ewerton de Castro) pode até ser definido por um de seus antigos amigos como um "escroque cultural", mas mesmo assim ele nunca deixa de ser visto com um olhar carinhoso. Quando ele se esforça para conseguir o psicólogo da moda para ajudar o sobrinho de Tornaghi, pode-se até rir da certeza dele de que o tal psicólogo é a resposta para todo o problema, mas não deixa de se reconhecer ali um desejo genuíno de ajudar a resolver a situação. Tratamento semelhante é dedicado a todos os demais personagens, o escritor que abandonou tudo para ajudar os pobres (Elias Andreato), o jornalista alcoólatra (Otavio Augusto), a promoter cultural de sucesso amargurada (Bruna Lombardi), o sobrinho louco (Ricardo Blat), etc. O próprio Tornaghi nunca age como um observador que enxerga tudo de cima não se pondo como superior a ninguém ali, pouco sabemos dos seus anos em Paris, mas ele não faz reserva alguma de ter ficado longe de atingir seus objetivos de juventude. Como resultado o espectador nunca fica à vontade em O Príncipe, não lhe sobra a possibilidade dele próprio apenas acompanhar o filme a distância. Ao invés disso ele acaba arrastado para dentro do filme.

Ao contrário de muitos dos filmes recentes dito críticos (brasileiros ou não), O Príncipe nunca se propõe a saída fácil de falar do outro. Há duas sub tramas especialmente importantes em O Príncipe. Uma, descritiva, diz respeito a exploração comercial da cultura. Não há nada de novo aqui, mas não deixa de ser agradável que, num momento em que alguns filmes parecem existir em razão do coquetel da pré estréia, Giorgetti toque no assunto.

A outra, mais interessante, diz respeito ao sobrinho dito louco: um historiador que, inspirado por Jorge Luis Borges, propõe uma nova história fictícia do Brasil. Como sugeriu um amigo, trata-se de um personagem reichenbachiano que provavelmente se sentiria à vontade numa conversa com o Di Branco de O Império do Desejo. Personagem mais pessimista e amargo do filme, nunca nos deixa à vontade. Por um lado não se deixa de notar um certo desequilíbrio na sua relação com o mundo, por outro lado se reconhece uma lógica no que diz. Não é são mas também não é um demente, e entre todos os personagens que rodeiam Tornaghi é o menos previsível. Ele parece sugerir o que há de irrealidade no mundo, e Giorgetti espertamente permite que o espectador e seu protagonista só entrem em contato com suas idéias através de uma série de vídeos amadores com suas aulas, que um aluno gravara. Ele é apenas uma das razões que tornam O Príncipe um dos mais bem sucedidos filmes brasileiros recentes.

Filipe Furtado