Retratos
de uma Obsessão,
de Mark Romanek
One
hour photo, EUA, 2002
Por trás da bela sociedade livre, rica, bonita, que vive metodicamente
o sonho americano de perfeição e felicidade, há uma América da qual ninguém
gosta de falar ou mostrar. É essa América, a feia, escravizada, real,
que sustenta o sonho da primeira e é tão vazia quanto ela. A beleza servindo
de modelo para uma massa de rejeitados, não excluídos, que tem um papel
reconhecido mas que não possui um mínimo de pré-requisitos estéticos,
morais e econômicos para fazer parte do tal mundo de sonhos tão propagandeado,
e por isso almejado.
Apesar dessa ser bastante
conhecida realidade e de o cinema americano ter sofrido recentemente um
surto de auto-análise social com Magnólia, Tempestade de gelo,
Beleza americana e congêneres, parece que somente com este Retratos
de uma obsessão o lado obscuro dessa sociedade veio à tona. De maneira
sutil, sem alarde ou intenção, não faz uma crítica. As duas Américas são
mostradas como interdependentes, a rejeitada querendo ser aceita mas sendo
repelida constantemente. Esse conflito não é o foco do filme.
Na verdade, os acontecimentos da trama principal se dão em meio a essa
estrutura social, sendo sua consequência direta. A loucura que aos poucos
vai tomando conta de um solitário trabalhador de um stand de revelação
em uma hora, e sua obsessão por uma família padrão do sonho americano,
expõem todo o verdadeiro conflito. Fica
claro, no filme, que é um conflito moral. As razões do obsessivo (aliás,
bem interpretado por Robin Williams) são somente suas, moldadas por uma
falsa visão de um mundo que procura mas não é o seu, e por isso, totalmente
deslocadas quando aplicadas a ele.
Retratos de uma obsessão
é um filme simples, barato. Tem um roteiro que não chega a ser excepcional
mas que conduz os acontecimentos com competência funcional. Seu mérito
verdadeiro, o que faz dele uma boa escolha na pasmaceira pré-Festival
do Rio é exatamente sua capacidade de expor, e não explorar as divergências
dos dois lados da sociedade norte-americana. Quando o faz sem tentar assumir
um ar profético e auto-indulgente, como se tem visto por aí, consegue
se diferenciar e deixar o expectador livre para julgar por si só a realidade
que lhe é mostrada.
João Mors Cabral
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