Uma Onda no Ar,
de Helvécio Ratton

Brasil, 2002


Existem as intenções, e existem os filmes, isso é bem sabido. Pois as intenções de Uma Onda no Ar não poderiam ser melhores, aliás, não apenas boas como necessárias. O que o filme propõe de fato é o início de uma historiografia não-oficial recente do Brasil, e neste ponto seu tom didático é bastante adequado para contar a história da Rádio Favela, iniciativa de liberdade de expressão surgida numa comunidade de Belo Horizonte. Mas, o fato é que este mesmo tom didático acaba engessando todo o fascínio que o filme possa ter, pois tudo que seus personagens falam e fazem parece mais bem adequado a um panfleto ou a um livro de História no formato mais careta possível. Aí vem a pergunta: será válido usar artifícios dos mais conservadores para contar a história de pessoas que são tudo, menos conservadores?

Ratton tem afirmado que seu filme mistura estética e conteúdo de forma indelével, uma vez que usa de uma imagem conscientemente "tosca"(palavras do próprio). Mas nos parece menos importante que o filme seja propositalmente sujo (embora, sem dúvida, já seja uma alegria não ver a favela de comerciais e diretores de arte), do que ter sua narrativa tão completamente truncada por diálogos explicativos e discursivos. Os atos dos responsáveis pela Rádio Favela é que deviam falar por si, e o fazem. Sua trajetória de contestação, porém, não está esteticamente desenhada na tela (e estética, vale lembrar, não é só imagem) da forma absolutamente heroicizada e sem pique que o filme acaba tendo. Falta vibração, falta acima de tudo paixão, que é a mola mestra do personagem principal, sem dúvida. O diretor também tem afirmado ter feito um filme para os jovens, mas seu trabalho só pode ser visto assim por quem entenda a expressão como o mesmo que "filme didático". Pelo contrário, o filme parece tudo, menos jovem. E aqui não entendemos jovem como um clichê fácil de atingir, como o exemplo de um videoclip. Parece um filme feito para jovens dos anos 60, 70 talvez. Mas, certamente, não os do ano 2000.

O erro mais crasso do filme é o extremo envolvimento dos personagens reais de sua história na produção do filme (segundo relatos do diretor mesmo), fazendo revisão de diálogos e cenas para ficarem "os mais reais que fosse possível". Ora, nada mais ingênuo do que imaginar que alguém pode querer contar sua história e se ater a um tal "estatuto de realidade". A história, seja ela pessoal ou social, é sempre uma invenção. Dar a estas versões a força de verdade é pensar que autobiografias são livros de História. E isso acaba atrapalhando bastante Uma Onda no Ar: as tintas excessivamente nobres e heróicas com que são pintadas seus personagens não os servem, não os tornam seres humanos e sim figuras de sonho. Não os tornam vivos e sim panfletos falantes. A impressão que dá é que Ratton devia ter optado de saída por um documentário, o que serviria suas intenções de forma bem mais completa do que o docudrama que resulta.

Isso tudo dito, é claro que temos aqui uma iniciativa cinematográfica importante, que dá aos personagens negros de nossa história recente uma das primeiras chances de expressão positiva. No entanto, há que se crer que entre Uma Onda no Ar e Cidade de Deus tenhamos um meio termo possível.

Eduardo Valente