O Júri, de Gary Fleder

Runaway Jury, EUA, 2003

Os protagonistas dos filmes baseados em obras de John Grisham (por exemplo, Tom Cruise em A Firma, Julia Roberts em O Dossiê Pelicano, Susan Sarandon em O Cliente) parecem estar sempre imersos em uma aura de pureza e messianismo, funcionando como inocentes-úteis que são, a princípio, manipulados por ume estrutura corrompida, mas que, com o decorrer da narrativa, conseguem vencer e derrubar a podridão na qual se vêem envoltos, reestabelecendo ao final a ética e a dignidade. Daí não se pode negar que os momentos iniciais de O Júri sugerem que, no caso, estaremos diante de uma situação no mínimo um pouco diversa, uma vez que a dupla Nick Easter (John Cusack) e Marlee (Rachel Weisz) aparenta ser tão manipuladora e anti-ética quanto o vilão da vez, Rankin Fitch (Gene Hackman), que não poupa esforços e tecnologia para direcionar júris a sentenciar vereditos favoráveis às grandes corporações que o empregam.

Com o decorrer do filme, entretanto, percebe-se que O Júri não atingirá um resultado final diferente da burocracia narrativa que atinge todas as versões cinematográficas de Grisham. Aparentemente um prato feito para um cinema comercial no mínimo envolvente, suas tramas intrincadas na prática se configuram em armadilhas para os roteiristas e diretores que acabam por se prender às amarras do original em filmes tanto confusos como lineares em demasia. No universo de Grisham não há espaço para ambiguidades, somente uma eterna luta do bem contra o mal onde, ao final, a justiça prevalecerá. Não seria de um diretor como Gary Fleder, com seu background de seriados de TV e suspenses medíocres (Beijos que Matam, Refém do Silêncio) que se esperaria um triunfo onde nomes que não diríamos mais talentosos, mas ao menos mais experientes, falharam.

Mesmo o melhor dos filmes-Grisham, A Firma (de 1992), fica bastante aquém dos bons trabalhos de Sidney Pollack nos anos 60 e 70. E é em outro diretor que também teve o melhor de sua produção no mesmo período que Fleder parece escavar suas maiores influências: Sidney Lumet. Seu primeiro filme, 12 Homens e Uma Sentença (de 1957, refilmado para TV por William Friedkin em 1997) mostra como a força da argumentação de um só homem pode dirigir e alterar a opinião de todo um júri. O Júri potencializa ao máximo esta manipulação, quando Easter e Fitch montam, cada um por seu lado, circos e artimanhas intrincadas para atingir os resultados que desejam.

Mas, se a ação de 12 Homens e Uma Sentença permanecia confinada à sala de discussão dos jurados, O Júri pulveriza demais sua narrativa, com passagens mirabolantes, rocambolescas e por vezes confusas. Antes do meio da projeção já estão frustradas todas as expectativas de que o filme carregasse algo de novo. Logo percebe-se (em boa parte pelo fato do ator que o interpreta, John Cusack, carregar consigo a mesma imagem de dignidade que acompanhava Henry Fonda e Jack Lemmon, astros das duas versões de 12 Homens...) que Easter não se resume a um espertalhão ou picareta que quer obter vantagens escusas com seu trabalho no júri, mas é de fato mais um dos probos e bem-intencionados protagonistas de Grisham. Gene Hackman também se vê preso a uma figura tipificada, pois se o ator já fora vilão em A Firma, seu Rankin Fitch parece herdeiro direto do protagonista de A Conversação, de Coppola, que já havia sido por ele revisitado em O Inimigo do Estado, de Tony Scott. Menos sorte ainda tem Dustin Hoffman, cujo advogado de acusação Wendall Rohr, um anjo de ética e retidão, antagônico ao demoníaco Hackman, fica meio perdido nos meandros da trama.

Apesar de seu resultado final, como já foi dito, limitado e previsível, O Júri é um filme que carrega em si espaço para a observação de questões pertinentes. A primeira delas, a forma como Hollywood se apropria de forma oportunista de discussões e ondas contemporâneas. No caso, a do combate à indústria de armas de fogo, capitaneada por Michael Moore em Tiros em Columbine. O filme de Fleder tem sua ação determinada por um processo contra uma fábrica de armas, movido por uma viúva cujo marido fora assassinado por um ensandecido em seu local de trabalho, modificando o original de Grisham, onde a ação judicial era movida contra a indústria do tabaco. Outra questão seria a do fascínio do cinema americano pela tecnologia e manipulação: o filme, principalmente em seu terço inicial, acompanha a parafernália e a estrutura montada por Hackman e companhia na seleção dos jurados, que parece sempre remeter à construção de um filme e a todo um jogo publicitário de sedução e direcionamento das platéias.

No fim das contas, O Júri se revela mais um daqueles filmes que acaba por enganar o espectador, como muitos hoje em dia, que se travestem de uma imagem superficial de denúncia para terminar por mais uma vez fortalecer a estrutura e o ideário americano. O que parece, em sua fachada, ser um questionamento ou protesto quanto à corrupção e manipulação às quais estariam sujeitas o sistema judiciário e a instituição de tribunais de júri popular, configura-se, ao final, numa louvação ao júri como sendo um eterno bastião de confiabilidade e promotor de uma justiça que resguarda os valores de ética e imparcialidade que os americanos sempre venderam e reforçaram através de seu cinema, sintetizados quando Cusack afirma ao fim do julgamento que "Os jurados votaram com o coração".

Gilberto Silva Jr.