O
Homem do Ano,
de José Henrique Fonseca
Brasil, 2003
O Homem do Ano,
mais do que ser o novo filme de José Henrique Fonseca, é
o mais novo exemplar da grife Conspiração Filmes. No que
tange as suas tentativas no terreno do suspense policial (Traição,
Gêmeas, Bufo & Spallanzani), a produtora carioca
parece mesmo estar criando um nicho próprio com trabalhos que,
apesar das diferenças de personalidade dos cineastas, têm
muito em comum. Surge, também, e, em conseqüência, uma
certa resistência contra esta "estética conspiração",
mas antes de simplesmente descartar o filme na base do "gosto ou
não gosto", é necessário fazer um esforço
em compreendê-lo, até porque se O Homem do Ano fracassa
é menos pela sua estética em si, e mais por sua completa
incapacidade de pensá-la.
Há uma inadequação
no centro de O Homem do Ano: o que José Henrique Fonseca
ambiciona é mostrar a trágica trajetória do tal homem
do título que após cometer um ato de violência (matar
um bandido importante) vai do céu ao inferno. Onde reside o problema?
Para cumprir com suas ambições o diretor precisa deste personagem,
precisa estabelecer o mundo dele; precisa, em suma, que tenhamos um interesse
real naquela figura. O filme falha completamente nisso. Alguns preguiçosos
correram em botar a culpa no roteiro de Rubem Fonseca, que supostamente
despenca no ato final. Não há nada de errado no texto, nem
no ato final (há algumas transições estranhas, mas
é impossível dizer se elas são culpas do roteiro
ou resultado dos cortes na sala de montagem): se ele não funciona
a culpa é muito mais da estratégia de mise-en-scène
do diretor ao longo do filme.
Como exatamente O
Homem do Ano se desfaz? Na sua incapacidade de sugerir qualquer momento
íntimo de seus personagens, de construir qualquer possibilidade
de relação entre eles. É bem sintomático disso
que o filme se inicie com Maicon (Murilo Benício) conhecendo sua
futura esposa (Claudia Abreu) no serviço dela: cortamos do encontro
inicial com a relação dos dois como sendo de cliente/atendente
para ambos juntos no carro - nunca saberemos como Maicon a convenceu a
sair com ele, entre outras razões porque José Henrique Fonseca
parece incapaz de lidar com uma cena dessas.
Ao longo de O Homem
do Ano perceberemos o quanto esta incapacidade se explicita na encenação.
Peguemos como exemplo uma cena bem simples, um encontro de Maicon com
seus amigos na sua casa para tomar uma cerveja e jogar cartas, ainda na
primeira parte do filme. Tudo na cena parece certo, o texto é bom,
os atores são bons, a produção parece ter tomado
cuidado com os detalhes, mas tudo na cena soa errado. Há um excesso
aqui, as atuações são carregadas demais, a direção
de arte é demais, a fotografia é demais, há uma saturação
imagética que mata a cena. Isto recorrerá com freqüência
ao longo do filme (a exceção de um ou outro momento com
Natalia Lage, mais por mérito da atriz).
Não se trata
aqui de defender um cinema naturalista e/ou realista, mas sim perceber
uma fissura de proposta/execução no filme de Fonseca. Pois
se ao fim temos esta sensação de que o filme despenca é
porque, na hora de cobrar a conta pelas ambições do seu
projeto, falta a Fonseca ter acumulado ao longo do filme a força
necessária para que tivéssemos resolvido pagá-la.
É bem típico
deste filme que a produção tenha tido grande trabalho de
selecionar bem as locações, só para ver o cineasta
não utilizá-las para nada. Não existe trabalho de
espaço/arquitetura em O Homem do Ano, da mesma forma que
nunca estabelece-se um mundo, e isto se dá porque as imagens aqui
só existem pelo seu significante mais óbvio: as locações
bem escolhidas, por exemplo, só servem para Fonseca dizer a palavra
"periferia".
A questão aqui,
é bom repetir, é menos de estética do que de incapacidade
de se pensar esta estética. Porque, apesar disso tudo, O Homem
do Ano poderia ser ao menos minimamente interessante caso Fonseca
pensasse o que ele está fazendo, adaptasse ou a sua forma ao filme
que quer fazer, ou o filme que quer fazer à sua forma. Se o filme
assumisse, por exemplo, seus personagens como meros arquétipos
e o quanto estamos muito mais num universo devedor de todo um mundo de
imagens que veio antes dele (imagens cinematográficas ou não),
vários dos problemas dele se dissipariam ou ao menos se reduziriam.
José Henrique Fonseca aqui se revela um maneirista que não
tem muita noção disso, tenta abarca o que o seu projeto
cinematográfico não aporta, acaba não indo a lugar
nenhum.
Filipe Furtado
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