Nove
Rainhas,
de Fabián Belinsky
Nueve
Reinas, Argentina, 2001
Trata-se de uma história
de malandros, antes de tudo. Nove Rainhas é um filme argentino,
mas podia facilmente ser um filme brasileiro. É, acima de tudo,
um filme latino americano porque o tema do "malandro" visto como o cara
que conhece e aplica todos os truques possíveis para ganhar dinheiro
é tão argentino como brasileiro, como cubano ou mexicano.
No entanto, o tratamento que o diretor dá ao filme lembra o cinema
hollywoodiano, em especial dos anos 50, onde as reviravoltas do roteiro
muitíssimo bem amarrado conduziam a trama. O filme, inclusive,
consegue reproduzir com enorme sucesso a tal invisibilidade narrativa
do mais clássico cinema americano, onde a trama absorve de tal
maneira o espectador que ele consegue esquecer que se trata de um filme,
uma construção que ele está acompanhando. Nem a montagem,
nem a fotografia, nem a direção fazem qualquer questão
de chamar atenção para si, e conseguem isso, o que é
um grande mérito do filme.
Trataria-se de fato
de um exemplar bem sucedido de um certo cinema comercial sem perder de
vista a cor local garantida pelo tema. Pouco mais a acrescentar. Digo
trataria-se porque em apenas 10 minutos o filme consegue dar subsídios
para muito mais. São os dez minutos finais, e como se trata de
um filme cheio de reviravoltas na trama, desaconselha-se quem ainda não
viu de ler estas linhas.
Primeiro, o filme
dá uma rasteira que parece ser final, tanto nos espectadores quanto
nos personagens. Esta rasteira é uma sacada de gênio porque,
não só é plausível narrativamente, como possui
os mais profundos subtextos. É quando os personagens após
inúmeras idas e vindas, conseguem o pagamento que tanto buscaram
e vão a um banco receber o dinheiro. Só que o banco quebrou
naquela manhã, numa alta jogada entre governos e banqueiros, e
os personagens que seguidamente estiveram em risco por aquele dinheiro,
agora não possuem nada. A idéia é genial porque insinua
algo sobre nossos países (e porque não dizer, sobre nossos
cinemas): não importa de fato o drama de dois personagens pequenos,
malandros de rua, e suas peripécias. Isso não é os
Estados Unidos. Aqui, os verdadeiros malandros estão muito acima,
no poder, brincando de jogos muito mais sérios. É como se
conseguisse fechar a trama deles ao mesmo tempo que a ridicularizam, retiram
toda sua importância possível. Tira o chão do espectador
sem precisar lhe passar uma rasteira. Este final, se assim o fosse, elevaria
o filme por si só a um patamar muito mais interessante. No entanto,
a maior rasteira é a seguinte. Após insinuar tudo isso,
o diretor joga fora com uma última reviravolta nos moldes do cinema
clássico (tipo "ninguém é o que parece"), que parece
tão mais redutora após esta cena do banco. A sensação
que fica é um enorme "E daí??", porque além de completamente
ilógica e desnecessária, esta sequência tem tudo do
pior cinema de roteiro, o tal cinema espertinho, que o filme tanto parecia
estar fugindo de ser. A decepção é tamanha, que zera
a conta com a empolgação pela cena anterior. Negativo e
positivo se anulam, e sobra a impressão anterior do filme: nem
mais nem menos do que um exercício bem realizado de cinema narrativo,
sem maiores implicações e incorrendo nos mesmos pecados.
Eduardo Valente
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