O
Novato,
de Roger Donaldson
The
recruit, EUA, 2003
Problema número 1: especialmente no momento de profundo anti-americanismo
que vivemos (ou, que seja, anti-"militarismo americano"), não chega
a ser a idéia mais agradável do mundo ver um filme que parece
querer retomar um certo fascínio pela instituição
que é a CIA, instituição esta já bastante
desgastada na vida real, que dirá no panteão dos modelos
hollywoodianos. Problema número 2: em thrillers de espionagem,
a quantidade de viradas e falsas pistas tem que ser dosada com maestria,
porque se forem poucas, o espectador se desinteressa, mas se forem muitas,
o espectador... se desinteressa também. Explicando melhor: roteiros
como o de O Novato parecem tão preocupados em deixar claro
o tempo todo que nada ali deve ser exatamente o que parece, que tudo pode
mudar a qualquer momento, que num determinado ponto o espectador passa
a se comportar como quem pensa: "mas se ninguém é quem parece,
nada é verdade, porque deveria eu me interessar por essas pessoas
e situações?"
Vivendo ao máximo
a extensão destes dois problemas, o filme de Donaldson, com toda
sua competência de realização (e, algumas vezes, até
mesmo por conta dela), parece patinar num gelo muito fino que cisma em
quebrar debaixo dos seus pés. Se alonga desnecessariamente, pára
de surpreender em momentos, e exagera nas surpresas em outros, mas acima
de tudo parece excessivamente preparado, cuidado, amamentado para conseguir
os resultados que espera. E é esta hiper-segurança que impede
que ele de fato atinja sucesso na empreitada de comover ou mesmo interessar
o espectador. Nem mesmo Al Pacino e Collin Farrell, dois atores de carisma
considerável, ou a belezura que é Bridget Moynahan, conseguem
manter o filme acima de um tom por vezes burocrático, por vezes
desinteressado, e na maioria delas, absolutamente anacrônico.
Para comprar o jogo
que Donaldson vende, o espectador precisaria regredir uns 15 anos na sua
compreensão dos jogos políticos, ou no mínimo acreditar
numa série de "set-ups" bastante óbvios. O joguinho proposto
requer ainda uma profunda fé num modelo de narrativa que parece,
seja pelos seus modelos heróicos ou cinematográficos, seja
pela sua lógica interna, excessivamente norte-americano para qualquer
espectador de fora da terra do Tio Sam. Após alguns anos de contextualização
e quebra desses cânones pela referencialidade e pela sátira,
Donaldson parece propor uma volta ao modelo que até podia soar
romântica, mas soa mesmo é fora da realidade.
Eduardo Valente
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