As Novas Roupas do Imperador,
de Alan Taylor

The emperor's new clothes, Inglaterra/Alemanha/Itália, 2001


Dentro do gênero dos filmes históricos, existe uma especialidade que fascina desde muito tempo a platéia (não só do cinema, aliás): os chamados "what if", que poderiam ser diretamente traduzidos para um "E se...". A noção da História como algo imutável explica um pouco deste fascínio, que aliás ultrapassa o campo da arte ("e se o juiz tivesse marcado aquele pênalti?", etc), e é espelho do sonho de todos em saber se suas vidas podiam ser diferentes. Este As Novas Roupas do Imperador conta que todo seu charme e atrativo virá de uma noção clássica a este subgênero cinematográfico: E se Napoleão não tivesse de fato morrido na Ilha de Sta. Helena, tendo retornado a Paris sem ser reconhecido? É isso que o filme vai mostrar durante suas bem filmadas duas horas de duração.

A proposta, na verdade, pode ser vista por um olhar mais teórico: o que Taylor parece propor (a partir de uma adaptação de um romance) é, de fato, a passagem da grande História acadêmica clássica para o campo da micro-história, que surge com força no final do século XX. Taylor deseja pegar o Napoleão dos livros escolares (e sua trajetória "eternizada" neles), e jogá-lo no mundo das pequenas emoções, das relações humanas, da banalidade do dia a dia. Num primeiro momento, isso funciona às mil maravilhas, quando no registro da comédia de erros ele nos mostra como uma série de pequenas ocasiões e decisões puramente pessoais de figuras nem um pouco históricas (um capitão de navio que resolve atracar num porto diferente, a morte de um oficial de segunda classe, o interesse amoroso de um médico) acabam por alterar todo o curso da História. Esta relativização da grande História através um misto de Teoria do Caos e comédia maluca é um dos pontos fortes do filme.

No entanto, a passagem para a micro-história acaba também sendo a principal dificuldade do filme. Porque, se por um lado ele precisa confiar num ponto de partida absolutamente fantasioso (fantasioso não só por contrariar a História oficial, mas acima de tudo por depender de fatos como o Imperador Napoleão não ser reconhecido nas ruas de Paris), ele deseja ao mesmo tempo fazer um filme que mostre o cotidiano banal num registro que vai, no ritmo e no desenvolvimento, quase no de um "cinema verdade". Este conflito entre fábula e realismo-naturalista que está no cerne do filme é de fato seu grande problema, porque é difícil acender velas para esses dois senhores.

A figura de Napoleão, como interpretada por Ian Holm (muito bem nos detalhes, como sempre aliás), fica num meio termo entre o fantástico-estatuesco e o banal que claramente é o que o diretor busca, mas que não permite que o espectador encontre um ponto de contato e entrada no universo da narrativa. Se você compra totalmente o realismo da encenação não pode aceitar as seguidas forçações da narrativa. Se por outro lado opta por crer na fantasia, o tom e o andamento realista-psicologizantes, acabam tirando a força e a vibração do filme. Se aceitamos a fábula, percebemos que seria enriquecedor que o sósia do Imperador tivesse muito mais tempo de tela do que acaba tendo. Se preferimos o banal, seria muito melhor que Napoleão fosse uma figura bem mais problematizada do que acaba sendo.

Taylor filma muito bem, gosta de trabalhar com atores, e sabe usar a reconstituição de época a seu favor sem precisar ficar fazendo estardalhaço. No entanto, seu filme resulta por demais "morno", o que é uma pena porque seja pelo caminho fabuloso, seja pelo inesperado registro realista, havia muito de novo que ele podia fazer com a história contada. Ao não optar por um só caminho, fica mais uma vez preso num meio-termo redutor.

Eduardo Valente