Ninguém
Escreve ao Coronel,
de Arturo Ripstein
El Coronel no Tiene Quien
lo Escriba, México, 1999
Adaptar obras literárias nem sempre
garante um filme grandioso. Tem-se que ter em mente que esse processo
vincula o cinema à uma outra linguagem e muitas vezes representa
uma burocratização da produção audiovisual.
É mais fácil fazer um filme bom a partir de um livro ruim
justamente por isso. Quando o cinema se aproveita de uma grande obra da
literatura mundial, a impressão que levanta é a de que o
filme apenas foi feito para aproveitar um mercado exibidor que não
tem muito senso crítico.
A leitura é um hábito que vem
perdendo adeptos não só no Brasil. Muito por culpa do cinema
e mais tarde da televisão. Em meio a um público sem vivência
de leitor, a adaptação literária ganha status de
obra prima quando feita em cima de um grande livro. É "literatura"
de consumo imediato capaz de causar um fenômeno estranho que leva
a leitura do livro depois de se ver o filme.
Os elementos genuinamente cinematográficos
de uma adaptação literária é o que menos importa
para uma análise crítica. O espectador, entendido ou não
de cinema, procura fruir o filme partindo de sua aproximação
direta com o livro. Uma adaptação bem sucedida é
a que gera um filme fiel. Isso parece claro. Porém, um filme fiel
nem sempre é um bom filme. Corre-se sempre o risco de não
se fazer cinema dando total atenção à sua fonte.
Ninguém escreve ao coronel
é ótimo! Me refiro ao livro. Romance ágil, já
um clássico para quem gosta de Garcia Marquez, onde ele deixa um
pouco de lado o realismo fantástico mas nos dá uma situação
cheia de peculiaridades e detalhes bem descritos compondo uma rede de
acontecimentos de extrema fidelidade com o real mas sem deixar de ser
ficcionista. É o tipo de livro que, possuindo características
adaptáveis, não pede necessariamente uma adaptação
para o cinema. Ele existe muito bem como livro. É com esse formato
que a expressão artística atingiu o seu máximo.
Ninguém escreve ao coronel
poderia ser então um filme bom. Arturo Ripstein sabe fazer cinema,
já nos deu provas disso. Dessa vez, porém, não fez
um filme, mas um livro em imagens. O toque do autor, presente nos cenários
e na interação dos personagens com esse ambiente criado,
não ajuda a melhorar uma produção que a pouca ousadia
comprometeu. É essa ousadia cinematográfica que ficou de
fora ao transpor fielmente para tela um enredo sem se buscar trabalhar
os elementos específicos de uma obra audiovisual.
Arturo chega ao cúmulo de colocar
Salma Hayak como atriz, assinando o atestado de vínculo com o cinema
burocrático. As intenções são claras. Fazer
cinema de fácil consumo e rápido retorno se aproveitando
de uma grande obra de arte já existente.
É cinema de baixa qualidade que não
deveria empolgar até quem não leu o livro antes. Se esses
assistem ao filme e não encontram o que possa enquadrá-lo
como cinema diferente de tudo que já se faz por ai, para quem já
conhecia essa história de Garcia Marques fica a certeza de que
o mundo passaria muito bem sem essa adaptação redundante.
É apenas mais um filme para ver, no meio de tantos outros.
João Mors Cabral.
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