O
Olho que Tudo Vê,
de Marc Evans
My
little eye, Inglaterra/EUA, 2002
Se não tivesse existido A Bruxa de Blair, este filme de
Marc Evans poderia de fato ser considerado um marco pelo trabalho visual
que estabelece. Mas, se é verdade que depois da Bruxa qualquer
tentativa de originalidade no horror que venha por uma tentativa de criar
um novo estatuto de realidade na relação com as imagens,
tendo-as captadas com câmeras assumidamente dentro da diegese do
filme, não chegue a parecer algo de realmente novo, por outro lado
este filme faz algumas utilizações muito interessantes de
ângulos de câmera, relações com o foco e, acima
de tudo, da questão do voyeurismo do espectador (que tem tudo a
ver com o tema do reality show que o filme também coloca em cena).
Se Evans deixa a receita desandar aqui e ali (o filme realmente tem alguns
momentos onde parece não saber bem para onde ir), e se a solução
final é redutora (ainda que dando espaço para algumas cenas
de impressionante noção de suspense), ainda assim o filme
mantém um interesse por pelo menos ir contra a atual onda "light"
de suspenses-horror com adolescentes, onde o chavão é a
norma.
Desde o início,
o filme tenta uma combinação delicada: uma encenação
ficcional de um suposto reality show. Digo que isso é delicado
porque toda a graça do reality show estaria na sua relação
com "pessoas de verdade", então de que forma seu formato seria
adequado a uma reencenação na ficção? No entanto,
Evans consegue driblar este obstáculo com um constante jogo de
espelhos onde nunca se entende bem qual o estatuto de "verdade" dentro
da diegese. Ou seja: até que ponto aquilo que os personagens vivem,
independente de serem produtos de ficção, é real
para eles ou é uma outra encenação. Neste ponto o
filme se torna realmente interessante, mas também encontra uma
certa indecisão de como solucionar a questão a contendo.
Quando acaba dando vazão a mais um banho de sangue de assassinos,
o filme perde um pouco de sua força na parte do trabalho dramatúrgico,
mas pelo menos mantém um outro foco de interesse: o formal.
Filmado o tempo todo
por câmeras que simulam as de um "Big Brother", o filme se mostra
especialmente assustador nas encenações com as luzes apagadas,
e as já famosas imagens infra-vermelhas que têm uma qualidade
quase surreal na relação entre brilhos e escuros. Longas
cenas passadas com este tipo de luz, e outras tantas variando entre closes
inesperados e foras de foco completos, fazem do filme um exemplar bem
menos óbvio do gênero do suspense. Um filme que, se não
atinge todo o potencial que apresenta em vários momentos, ao menos
consegue manter não só a atenção na trama
como na forma como ela é filmada.
Eduardo Valente
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