Minha
Vida em Suas Mãos,
de José Antônio Garcia
Minha Vida em Suas Mãos,
Brasil, 2000
O filme certamente não
começa mal. Há uma tentativa rara no cinema nacional atual
de tematizar uma certa "malaise" urbana como parte integrante
central da vida de classe média metropolitana no Brasil, com algumas
observações até interessantes. Desta introdução
resulta o encontro entre os personagens de Maria Zilda e Caco Ciocler.
Ao longo da cena que começa com um estupro e se torna um estranho
fim de semana de amor, o diretor ainda consegue manter algum interesse
apesar de deslizes sérios nos diálogos e em algumas encenações
completamente sem vida. No entanto, assim que esta cena é quebrada,
o filme começa um processo lento e gradual (mesmo...) de descida
à vala comum e, pior, a um claro descaso narrativo que cria inúmeros
problemas dos quais o final apressado e sem nexo é apenas uma consequência.
Se formos analisar apenas num
nível narrativo, o filme inteiro parece paradoxalmente corrido
e arrastado. Não tão paradoxal assim, aliás, porque
ao passar com pressa por cima de alguns dados ou cenas importantes, perde
a adesão do espectador, tornando passagens futuras desinteressantes,
por isso arrastadas. Falta, por exemplo, mais paciência no início.
O personagem masculino merecia mais atenção, mais tempo
de tela sozinho. O que resulta é que de um primeiro olhar até
interessante sobre as desilusões da vida moderna, ambos os personagens
caem num mar de clichês insustentável, em especial a de Maria
Zilda. O filme cai ainda em dois defeitos sérios e recorrentes
do cinema brasileiro: primeiro, a incapacidade de simplesmente contar
sua história e deixar que a análise venha do público.
O cinema nacional na sua briga por ser comercial esbarra seguidamente
neste erro: não consegue se libertar da sua "seriedade".
Ou seja, não basta os personagens viverem suas situações,
o diretor precisa seguidamente externar em palavras os seus dilemas. Com
isso, várias vezes Maria Zilda cai em constrangedores monólogos
(às vezes "disfarçados" de aulas, às vezes
de sessão de análise, mas em ambos os casos sem interação
com outro), onde seu personagem sente a urgência de falar sozinha
para que o espectador entenda suas dúvidas, algo completamente
desnecessário. O outro defeito sério é a síndrome
do "Ih, olha ele ali..." segundo a qual no cinema nacional mesmo
o pipoqueiro do fundo do quadro deve ser interpretado por um ator conhecido
da Rede Globo de preferência. A falta de "elencos de apoio"
que não possuam personas como estes atores é um sério
defeito no cinema nacional como um todo, e neste filme em alguns momentos
atrapalha diretamente o andamento das cenas.
Mas o grande equívoco
mesmo da produção como um todo é não perceber
a antítese entre a história que se conta e a forma como
é contada. No fundo, o filme é uma história de amor
louco, de amor irracional, de amor que sai da mais profunda necessidade
do outro. Isso pede uma montagem, uma mise-en-scène igualmente
exacerbada, apaixonada, entregue, vibrante, muitas vezes até anti-naturalista,
como são as emoções fortes. Mas, não, o filme
é contado da forma mais careta possível, com um pé
num romantismo que não tem nada a ver com o enredo, com um formato
quase televisivo na sua decupagem "correta" e fria. Falta, por
exemplo, uma cena de amor mais mal educada, mais sacana mesmo, quando
o que se vê são cenas de novela das oito nos dias de hoje.
Este desacordo entre espírito e corpo do filme se juntam aos elementos
anteriormente citados para torná-lo de muito difícil digestão,
por mais que parta de pontos interessantes. Uma pena.
Eduardo Valente
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