Uma
Mente Brilhante,
de Ron Howard
A
beautiful mind, EUA, 2001
A propósito do lançamento de Uma mente brilhante
e da divulgação dos candidatos ao Oscar referente ao ano
de 2001, vale lembrar que, neste tipo de premiação tão
caro à indústria, a escolha dos candidatos e possíveis
vencedores muitas vezes se dá por critérios que na maioria
das vezes nada tem a ver com as qualidades puramente cinematográficas
de um filme em si. Um destes critérios estaria relacionado a uma
determinada "temática nobre", centrada em indivíduos
que triunfaram sobre adversidades, como problemas mentais ou pobreza (
por exemplo: Forrest Gump, Shine, Gênio Indomável).
É dentro desta vertente que se enquadra o filme em questão.
Biografia de John
Forbes Nash, economista e professor que viria a conquistar um prêmio
Nobel, após sofrer por muitos anos de esquizofrenia, Uma mente
brilhante tem logo nos primeiros 10 minutos de projeção
uma sequência que caracteriza bem a previsibilidade de seu argumento:
pouco após ingressar num programa de doutorado na universidade
de Princeton e sentindo-se inferiorizado perante os colegas, o esquisito
Nash (Russell Crowe) assiste um professor receber dos demais membros do
corpo docente suas canetas como reconhecimento aos méritos de uma
longa carreira. Passamos, então, a aguardar que, ao final, o mesmo
irá ocorrer com Nash. Mas para que isso aconteça, ele terá
que superar um longo período de doença mental e é
nos momentos em que é retratada esta doença que o filme
torna-se mais interessante.
Abrimos aqui uma pausa
em nosso artigo porque, junto ao convite para a sessão de imprensa
do filme, havia um comunicado assinado pelo diretor solicitando que, ao
escrever sobre o mesmo, não fossem divulgados muitos dados , para
não estragar a surpresa do espectador. Entretanto, como consideramos
estes dados essenciais para a discussão que queremos desenvolver,
sugerimos que, aqueles que ainda não assistiram ao filme, suspendam
a leitura ou pulem os próximos dois parágrafos, e retornem
ao texto após a sessão.
Uma mente brilhante
foi dirigido por Ron Howard, um dos últimos remanescentes de uma
espécie em extinção no cinema americano: o artesão
que, mesmo sem um estilo definido é capaz de fazer as fitas mais
diversas sem muito brilho, mas quase sempre com competência. Howard,
após trabalhar como ator desde a infância, estreou na direção
em 1977 com The grand theft auto, um filme de baixo orçamento
produzido pelo maior nome deste estilo: Roger Corman. E é nos filmes
B que Howard e o roteirista Akiva Goldman vão buscar a inspiração
para retratar a esquizofrenia de Nash. Após sair da faculdade,
o professor se vê frequentemente solicitado pelo FBI para decifrar
códigos secretos, numa movimentada trama de espionagem, em bem
dirigidas e montadas sequencias onde não faltam tiros, perseguições
e um misterioso agente secreto interpretado por Ed Harris. Como o leitor
pode concluir, tudo não passa de delírios de sua imaginação.
Também interessantes
são as (breves) sequências da internação de
Nash, visivelmente inspiradas no Shock corridor de Samuel Fuller.
Só que, após os momentos em que Nash aprende a conviver
com a sua condição, o filme retoma o clima tedioso e desagradável
da biografia com mensagem que tanto apraz aos acadêmicos conservadores,
até a chegada do previsível final. O triunfo de Nash sobre
sua doença é também o triunfo da caretice sobre o
cinema.
Partindo deste ponto
de vista, estes dois momentos distintos de Uma mente brilhante servem
muito bem para retratar uma questão que assola tanto a indústria
como a crítica há quase meio século e ainda não
foi superada. O de que o chamado "cinema de qualidade" apresentaria
mais méritos em comparação ao cinema de gêneros,
voltado puramente para o entretenimento, mesmo quando este último
fosse desenvolvido por diretores mais talentosos e criativos. Exemplifica
esta situação o amplo circuito destinado ao lançamento
do filme de Howard em oposição ao tratamento desleixado
que recebeu o ótimo Fantasmas de marte, de John Carpenter
nos cinemas cariocas que em sua semana de lançamento não
foi exibido em salas da Zona Sul, sendo em seguida expulso apenas para
duas salas, sendo uma no subúrbio e outra na baixada. Também
pela crítica na grande imprensa, o filme de Carpenter não
recebeu atenção.
Podemos, alías,
tratar do assunto dentro da carreira do próprio Howard, cujos primeiros
filmes, mais leves e despretensiosos (Splash, Cocoon, Parenthood)
são mais interessantes que aqueles nos quais ambiciona uma maior
"seriedade" (Um sonho distante, Apollo 13). Recentemente
o próprio diretor foi vítima do preconceito, quando seu
trabalho anterior, o curioso ed tv, foi deixado de lado pela distribuidora
e lançado diretamente em vídeo no Brasil, pelas semelhanças
com o mais ambicioso O show de Truman.
Voltando especificamente
a Uma mente brilhante, dentro das indicações e prêmios
atribuídos ao trabalho de seu elenco, podemos observar uma questão
semelhante: o da supervalorização de composições
mais histriônicas em oposição a atuações
e personagens mais contidos, não negando a qualidade do trabalho
de Russell Crowe, um ótimo ator. E o que falar de Jennifer Connelly,
bela e talentosa atriz, sempre ligada a personagens sensuais, que só
agora recebe o devido reconhecimento ao compor uma esposa bem-comportada
e sofredora.
Concluindo, Uma
mente brilhante parece ser um filme que padece da mesma esquizofrenia
de seu protagonista. Ao contrapor um realismo convencional a um tratamento
cinematográfico mais criativo, parece refletir alguns motivos que
poderiam ter determinado a loucura de John Forbes Nash, como o fato de
que a fantasia muitas vezes é mais apaixonante que a realidade
pura e simples.
Gilberto Silva Jr.
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