Amnésia,
de Christopher Nolan
Memento,
EUA, 2000
Amnésia
consegue
uma combinação hoje rara para um filme frutífero
do circuito dito "independente" nos EUA – combinar uma forma
diferenciada de se contar uma narrativa à uma proposta com coerência
interna e questões que vão além de seu formato. Ao
contar a história de Leonard, o filme não se atém
a seu problema de perda de memória instantânea como fonte
de um espetáculo formal, mas como espaço de questionamento
de diversos parâmetros da objetividade cotidiana. O fato de a história
ser contada de trás para frente não se resume apenas a uma
brincadeira narrativa, apenas mais uma atração do filme,
mas está intrisicamente articulada com as questões que o
filme aborda. Diferente de uma produção formalmente elogiada
como o xexelento videoclip Moulin Rouge, Amnésia
tem como ponto central justamente as questões que apresenta – sua
narrativa em flashback não funciona como uma maquiagem colorida
para a repetição do óbvio cinematográfico.
No filme, a forma é o resultado claro de um processo de pensamento
e questionamento – não apenas a forma aparente do espetáculo...
As incertezas do personagem
perdido em sua própria tentativa de reinvenção de
um passado esquecido, torna-se um espaço intrigante em que o espectador
vive a realidade incompleta do personagem e, apesar de desconfiar de todos
e de aos poucos juntar as peças de um quebra-cabeças ao
inverso, está sempre incerto sobre o que Leonard sabe ou deixa
de saber... A ausência de memória é a possibilidade
de uma reinvenção do tempo e do espaço e uma metáfora
sobre a condição de distorção dos acontecimentos
na memória-realidade dos personagens e do espectador.
A própria forma
do filme, que pede que o espectador lembre-se das sequências imediatamente
anteriores dialoga com a condição de Leonard. Fica tão
mais clara sua condição, quanto mais nos lembramos de todos
os seus atos posteriores – uma lembrança do futuro. Uma invenção
do passado. A descoberta do futuro como o antes imaginado. O filme não
termina, se inicia, e se projeta novamente para antes de seu fim...
Apesar de todos esses
fatores, ou indo contra eles, o filme de Nolan peca inúmeras vezes
por seu excesso de explicações e tentativa de mastigação
da narrativa ao espectador. Por vezes, é mais interessante distrair-se
de alguns diálogos durante o filme e tentar menos ser relembrado
a cada instante dos fatos passados. O diálogo final dos dois personagens,
quando a distorção é revelada, é muito direto,
muito exato em seu desmascaramento. O policial explica demais e sua fala
tem um estatuto de realidade que decepciona as incertezas do resto do
filme. Talvez menos preocupado em explicar e mais em insinuar as distorções
da memória, o filme teria conseguido manter sua coerência
forma-conteúdo mais precisamente. Um escorregão em nome
do entendimento fácil que mesmo assim não tira o brillho
de seu desfecho-início cativante. As anotações do
corpo e das fotos dos personagens como as certezas intocáveis que
guardamos e que aos poucos transformam a própria realidade em um
novo conjunto de verdades... Os fatos (anotações) adorados
por Leonard são justamente aqueles que por fim, foram capazes de
enganar seus olhos...
Felipe Bragança
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