Matrix Reloaded,
de Andy e Larry Wachowski

Matrix reloaded, EUA, 2003


Duas proposições sobre Matrix

Primeiro: Apesar de tudo o que se falou sobre o primeiro Matrix, passou batido aquilo que talvez fosse ao mesmo tempo seu maior problema e seu maior interesse: que dentro do mundo criado pelos Irmãos Wachowski, todas as referências, de Platão à Bíblia à Stallone Cobra, tinham precisamente o mesmo valor. A moral final do filme parecia ser: somos todos iguais perante a cultura pop. Isto acaba sofisticado nesta seqüência e na forma como ela é construída como produto que deve ao final agradar a todos, do acadêmico sedento por uma discussão teórica ao rapaz que vai ao cinema com o intuito de ver grandes seqüências de ação. Entramos então num jogo de reconhecer a referência que se encerra em si mesmo.

Peguemos um exemplo: em certo ponto Neo (Keanu Reeves) adentra a mansão de um dos vilões do filme e encontra dois de seus servos vendo um filme. O filme em questão é As Noivas de Drácula de Terence Fisher e o ponto da cena é simplesmente jogar esta referência que vai ser identificada por uns poucos que conhecem horror inglês das décadas de 50/60 (que depois iriam contentes exclamar que o filme é tão bom que inclui até referências a filmes da Hammer). Mas, para garantir que a imensa maioria dos espectadores não passe em branco, fica estabelecido que os tais servos são vampiros, e todos podem exclamar a esperteza da referência. Por que vampiros estariam a ver um filme de vampiros? Porque esta é a lógica dos Wachowski. O jogo em Matrix Reloaded é de cada imagem oferecer ao espectador aquilo que ele já conhece, aquilo de que já tem plena certeza, cada imagem do filme está pronta para ser consumida e neste processo reafirmar o que já sabemos.

Segundo: Os filmes sobre Matrix são essencialmente uma versão mais modernosa de Guerra nas Estrelas. Como no filme de George Lucas o ponto é criar um mundo e dentro dele uma rica mitologia própria. As questões que os dois Matrix levantam são essencialmente sobre a sua própria lógica interna. Uma checada rápido em diversos fóruns de discussão da web vai encontrar as mais diferentes teorias sobre a lógica do filme. Há uma (bastante comum) postura crítica de desprezar isto, ridicularizar os tais fãs, etc. Mas eu diria que sentar para pensar a lógica interna do filme já é mais do que sair dele e não pensar em nada.

O problema da comparação com Guerra nas Estrelas é outro. Assim como no primeiro filme da nova série de Lucas, as expectativas eram tantas e a necessidade de supri-las tal que a única saída encontrada pelos cineastas é disfarçar o que eles tem há oferecer com um tom grave, onde falas que pouco ou nada dizem além do óbvio são recitadas pelos atores com uma risível solenidade.

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Isto tudo dito parece difícil se interessar por qualquer coisa no filme (ao menos, se você não tiver a predisposição natural em comprar as verdades prontas que os Wachowski refletem em suas retinas). Dramaticamente o filme não podia ser mais desinteressante: no final do primeiro filme Neo havia se tornado um Super-homem tão poderoso que nada pelo qual ele passa aqui nos desperta qualquer preocupação. As cenas de ação são tão perfeitas quanto mortas, o CGI ultra-realista aparentemente chegando no auge é uma simulação impecável, mas que nunca desperta nosso olhar (não há nada que se compare com uma luta num filme de artes marciais em Hong Kong com dublês de verdade). Ao fim, só resta aos diretores complicar mais e mais a sua própria mitologia, na esperança de nos manter ligados até a próxima seqüência.

Filipe Furtado