O Martelo de Vulcano Ilha Rá-tim-bum, de Eliane Fonseca
Brasil,
2003
É lamentável
que o cinema infantil brasileiro raramente consiga gerir uma mitologia
brasileira. A maior parte das vezes em que as crianças são
o centro de alguma aventura cinematográfica, esta (a aventura)
é inspirada por campos semânticos de outras ordens, geralmente
construídos por uma fantasia de fundo moral moderno, mas de estética
baseada apenas em um cinema de sucesso. Assim, de maneira geral, nosso
cinema infantil tem sido da ordem do pastiche, às vezes em um esquema
(quase) de chanchada. Foi assim ao longo dos anos 70 e 80 com Os Trapalhões
e vem sendo assim nos 90 e 00 com a Xuxa. Em raros momentos, como em O
Menino Maluquinho (de Helvécio Ratton) uma semiologia brasileira
e uma construção não pastichada são colocadas
nas telas. Claro, isso não precisa ser ruim a priori, por
mais que seja lamentável. A maior prova disso é Castelo
Rá-Tim-Bum, de Cao Hamburger, uma espécie de pré-Harry
Potter que, à exemplo do programa de TV que lhe deu origem, lança
mão de vários elementos nada nacionais como uma bruxaria
altamente anglo-saxônica e outros elementos muito mais próximos
da Disney do que de Monteiro Lobato. Do outro lado, está o "nacionalista"
Tainá - Uma Aventura Amazônica, de Tânia
Lamarca e Sérgio Bloch, brasileiríssimo e nem por isso interessante.
Mas o problema dessa
operação, além de seu óbvio desenrolar pedagógico,
é o da limitação dos elementos. Já tivemos
pastiche de filme de Sinbad, de filme de Indiana Jones, de filme de jovem
americano. De tudo. E o resultado vai ficando tanto mais complicado quanto
mais limitado vai ficando o campo do pastiche. O Martelo de Vulcano
é um caso extremo desse problema. Se começa pela falta de
dignidade ao não se remeter à originalidade pátria,
no que se refere à originalidade artística ou mesmo a uma
originalidade artesanal, o filme é um completo fracasso. Sem nem
o mais elementar desejo de possuir alguma singularidade que seja, o filme
se remete a padrões já desgastados de filmes e desenhos
infantis. Nele, há o seriado japa-americano Power Rangers;
há o desenho animado A Caverna do Dragão; há,
sobretudo, o desenho animado Capitão Planeta. E, além
disso, há uma feiticeira egípcia, uma história mitológica
grega, um cientista ancestral e uma bactéria gigante. Parece um
enredo de escola de samba. E de tantas influências, uma colagem
apenas superficial, a formar um painel de influências atual para
a infância.
O resto é clichê.
A ausência de
sentido na construção de um conto moral (o que, no limite,
toda obra infantil é) torna por demais gritante aquela primeira
deficiência (a de não conseguir trabalhar com a mitologia
brasileira) e reforça uma dimensão apenas de busca de eficiência
no filme: é o típico filme de entretenimento, no mal sentido,
de entreter, de entre-ter, de ter entre dois momentos de vida. Para além
de sua já incômoda existência passageira nada se mantém.
Nada que mereça a memória. É um cinema que se quer
cinema de efetividade, com efeitos visuais e outros entorpecentes, mas
que não consegue ter nada de efetivo, dado o grau primário
com que lida com seus elementos.
Uma nota a mais para
algumas salas em que o filme é exibido: poucas vigarices são
tão retumbantes quanto o conto do vigário da projeção
digital, que é alardeada como uma grande vantagem e uma grande
inovação. Vantagem para exibidores, o sistema é um
retrocesso, tanto para quem busca a tal qualidade quanto a quem busca
ousadia. Uma imagem plana, fosca, pobre, nada mais do que apenas uma grande
televisão.
Alexandre Werneck
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