A
Língua das Mariposas,
de José Luis Cuerda
La
lengua de las mariposas, Espanha, 1999
Aos primeiros planos já vem o sinistro pensamento. "Não...nada
pior do que um filme comercial europeu. Aquele Cinema de Qualidade que
Truffaut e asseclas desejavam exterminar sobrevive, e mais forte que nunca."
E se pararmos pra pensar na enorme quantidade de filmes desse quilate,
moldados pelo "bom gosto" de uma platéia conformista ao extremo,
que enfeitaram nossas telas nos últimos tempos, percebemos que
a situação é triste. Comemoramos com entusiasmo quando
um Godard, um Rohmer, um Bigas Luna nos chega, mesmo com certo atraso.
Mas geralmente quando temos filme europeu em cartaz o mais provável
é que seja um "filme de qualidade". Assim tivemos Chocolate,
Pão e Tulipas, O Olhar da Inocência e tantos
outros que, variando do medíocre ao desprezível, pouco acrescentam
ao espectador não viciado no circuito descolado.
Filme continua. Clichês
se sucedem. Sorte que geralmente são bem trabalhados, o que dá
uma certa fluência ao filme e nos assegura de que pelo menos teremos
um produto tolerável. O diretor abriu mão de uma forma mais
elaborada para narrar academicamente uma trama que lhe pareceu forte.
O drama de uma família em um vilarejo na Galicia, nos momentos
que antecedem a Guerra Civil Espanhola, propicia emoções
o suficiente para levar o público às lágrimas. Mas
Cuerda, diretor veterano e produtor dos dois primeiros filmes de Alejandro
Amenábar, insiste em buscar a poesia em cada fotograma, tudo é
pensado para ser poético. É a poesia à priori contra
a qual Truffaut sempre lutou em seus filmes, lição pouco
seguida. Dessa forma, quando o menino oferece uma flor à sua amada,
cenário natural,fotografia e música antecipam a cena que
se pretende poética. O público chora. Alguns momentos são
risíveis porque usados sem cerimônia no cinema comercial.
O padre e o professor humanista discutem citando, em latim, passagens
da Bíblia. Os garotos espiam a camponesa safada num encontro sexual
com um jovem. O pai fraco e sensível discutindo com a mãe
forte e prática. Tudo é repetição, estereótipo.
Em compensação, sempre que aparece a Orquestra Azul da Galicia,
com o protagonista de mascote e seu irmão tocando saxofone, o filme
cresce. Há até uma sequência que mostra a fraqueza
do irmão que se apaixona por uma chinesinha mas não tem
coragem de declarar seu amor a não ser com um emocionado solo em
seu instrumento. Bonito. E mal aproveitado no filme porque poderia sugerir
uma analogia entre a Espanha e seus habitantes, paralisados pela situação
política. O fantasma do fascismo ronda o pequeno vilarejo e muda
a vida das pessoas. Mas muda também as pessoas e isso é
um outro problema grave. Princípios são jogados no lixo
com tanta facilidade que chega a ser revoltante. Comprometendo um final
que se justifica exatamente pela extrema vulnerabilidade das convicções
dos personagens. Final amargo que na verdade é um começo.
Sérgio Alpendre
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