Mário,
de Hermano Penna
Mário, Brasil,
1999
Mar + rio = Mário, nos dizem os créditos
de apresentação. Infelizmente, não se trata de um
ideograma para desvendar o personagem, como Riobaldo e Diadorim, em Guimarães
Rosa, ou a Flora do Esaú e Jacó de Machado de Assis.
Pois se o filme é bem uma viagem da civilização até
a natureza, do sul até o norte, do inferno da hipocrisia até
o inferno da lei do cão, não há nem mar nem rio,
literal ou metaforicamente.
Mário
nos introduz na vida de uma cidade grande: um médico, de boa pinta
e de bom coração, se demite do hospital em que trabalha
porque foi recriminado por usar instrumentos importados para salvar a
vida de um paciente. Logo após, briga com a esposa, que é
materialista e só pensa no dinheiro (o filme não revela
por que, afinal de contas, o tal Mário casou com ela). Mais tarde
na noite, vai a um restaurante e presencia uma briga de casal em que os
espectadores mais se deliciam do que sentem nojo incluindo o amigo
com quem estava na mesa. É a própria imagem do inferno urbano
que se cria.
No dia seguinte, parte sem eira nem beira
para o norte, que se apresenta como a única solução
à vida mental de Mário. Lá ele parece experimentar
primeira vez em muito tempo o calor do sol, a vontade de viver, etc. Está
disposto a trabalhar, mas desde o começo é pego pela pilantragem:
alista-se num trabalho de desmatamento que é na verdade quase um
campo de trabalhos forçados. Mais tarde, já com seu consultório
ele é o primeiro médico da região ,
ele se dará conta de todos os problemas que envolvem o desenvolvimento
naquele lugar. E, por tabela, no Brasil.
Pois é exatamente a política
a intenção de Mário. É um filme que
acena para a construção de um Brasil. Vemos diversas figuras
do tipo: o comunista que ainda acredita que a luta de classes vai levar
a algum lugar, o sujeito ilustrado que quer tirar apenas tirar proveito,
os posseiros que são baleados por milícias locais, e os
"sujeitos certos", com quem Mário mais tarde se associa,
que misturam inconformismo e jogo-de-cintura para sobrevivência.
Mais que isso, vê-se a ingenuidade e a caduquice de um certo modo
de cinema brasileiro que tem funções meramente ideológicas
e edificantes, sem se ater minimamente à construção
de um imaginário propriamente ficcional ou ao menos cinematográfico.
As cenas parecem seguir-se sem nenhuma ordem dramática e certamente
sem nenhuma maior elaboração. Mário é o herói
humano, aquele que sofre por perder a sua vida pessoal em nome de um ideal
que é maior que ele, e que deve recomeçar novamente a sua
vida, sem idéias preconcebidas. Hermano Penna, entretanto, não
parece ter aprendido nada com Mário, o personagem, porque Mário,
o filme, fala do alto, do lugar muito fácil da verdade toda já
pronta, com todo um ideário de um outro momento na história
do capitalismo e, o pior, com o pressuposto de que o espectador está
no cinema para aprender mais do que para ver. O discurso pedagógico
toma o lugar do discurso cinematográfico (uma pedagogia do ver,
sempre a construir), e é por isso que Mário nos é
tão desagradável e consegue realizar o inverso do que se
propunha: uma relação de coração aberto com
o espectador.
Ruy Gardnier
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