Maria, Mãe do Filho de Deus,
de Moacyr Góes

Brasil, 2003

Dos filmes preguiçosos e interesseiros capitaneados pela Diller Produções (haja visto os últimos filmes de Xuxa e Renato Aragão), Maria, Mãe do Filho de Deus é, sem dúvida o menos picareta. Apoiado no forte e seguro material que tinha em mãos (tanto a história de Maria e Jesus quanto a benção, literalmente falando, de Padre Marcelo Rossi), o filme dirigido por Moacyr Góes, consegue tirar de sua modesta produção e de seu elenco derrapante, um sentido de verdade bíblica que o mais o aproxima de uma missa, de um sermão, do que de um espetáculo cinematográfico.

Filme-presépio, onde o que importa é a repetição e a síntese, Maria é construído não sobre a verossimilhança naturalista, mas pelo recorte ritual daquilo que representa: daí a aparente precariedade dos efeitos especiais e a pobreza das interpretações não interferirem na aura e na disposição dos ícones. Como num presépio, o importante do filme são seus significados acumulados, e não a precisão da reprodução presente em seus elementos de composição.

Um filme-missa, em que apenas um pacto muito específico entre discurso e espectador – pacto pré-estabelecido que o filme só trabalha para atualizar no momento da projeção – pode entregá-lo ao lugar a que pertence: o lugar do sermão, da narrativa que propaga a Verdade bíblica em forma de teatro-filmado. (Nesse sentido, a idéia de fazer com que a menina esteja "imaginando" a história de Jesus, à partir de personagens presentes em seu cotidiano, é fundamental).
Com o respeito necessário à trama bíblica (por se tratar de um filme semi-institucional), a narrativa segue uma funcionalidade óbvia, didática e elucidativa (e aí, o dispositivo da menina que houve a história como numa primeira comunhão, é tão óbvio quanto funcional) e se amarra com aparente naturalidade, como todo "bom" sermão. Não se trata de um filme "sobre" a história de Jesus (seja por um viés crítico, seja por um viés histórico): o filme é uma missa e só pode ser enxergado assim: como palavra que se propaga por dentro da Palavra. Nesse sentido, a filiação aos clichês melodramáticos é essencial para uma rápida disposição do problema e conseqüente e previsível milagre: criança doente + mãe zelosa + história de Jesus = milagre.

Todos os clichês de diálogos e nomenclaturas bíblicas são reproduzidos como transfiguração midiática, apenas. A presença de Marcelo Rossi como mestre de cerimônias, o uso de parte da trilha sonora gravada diretamente do canto popular numa das missas do Padre, deixam clara a primeira premissa do filme: não há "aproximação" com o tema; o filme crê, e só. Esse sentido de Verdade, catalisada pela grande tela e a reconstituição dramatizada, faz de Maria um exercício elementar de artesanato iconográfico, mais preocupado em ser um canal estável, maciço de reiteração moral, do que em ter valor próprio. Como um artesão rotineiro, a fazer um terço ou uma imagem da Virgem Maria em madeira, Moacyr Góes vai lá e cumpre seu papel com a limitação e a segurança solicitadas pelo projeto.

Um filme onde o Cinema (como Deus herege que é) é submetido em nome desse Deus cristão único e onipotente, que se utiliza apenas da imagem em movimento e da sala escura, para propagar sua palavra. O uso da reconstituição audiovisual de eventos e milagres, cada vez mais comum na televisão como ferramenta de pregação das igrejas pentecostais, encontra em Maria o uso grandiloquente da instituição católica. Curioso como fenômeno de massa e nulo como expressão estética, o filme é a imagem de sua gênese de produção: uma promessa do misto de sacerdote e pop-star (ou não seriam os pop-stars, os derivados do sacerdócio?...) Padre Marcelo Rossi. Só isso, uma promessa cumprida com a dedicação e falta de inventividade necessárias para não surpreender nem a Deus, nem a mãe do filho dele.

Felipe Bragança