Palácio das Ilusões,
de Patricia Rozema


Mansfield Park, EUA, 2000

Jane Austen não consegue ser deixada em paz. Depois de um surto de obras hollywoodianas adaptando seus livros em meados da década passada – dos quais o Razão e Sensibilidade de Ang Lee e o Emma de Douglas McGrath foram os de maior projeção comercial –, Patricia Rozema aparece para adaptar o único romance não-póstumo da escritora do século XIX que ainda não havia sido transposto para o cinema. E o que de novo? A tentativa da diretora em tornar a história mais "moderninha", fazer da heroína um personagem mais adaptável aos nossos dias. Matéria de feminismo, de Ação Afirmativa, pois. Por esse e alguns outros motivos, Palácio das Ilusões parece incrivelmente com outro filme que tinha os mesmos interesses, inclusive aquele afã insuportável do artista enquanto cineasta-esteta: Orlando, a Mulher Imortal, de Sally Potter. Nada da construção de uma arte, mas da associação automática a padrões já "artísticos", já institucionalizados de procedimento cinematográfico: misturar vida do artista à vida do personagem, quebra da diegese pelo olhar da protagonista em direção à câmera, etc.

Acontece que Palácio das Ilusões é um filme ruim, e que em nada orgulha as mulheres, malgrado o fato de ter veleidades feministas. O andamento do filme atém-se à velocidade de um filme de época, a interpretação dos atores idem, com aquela sofrível liberdade onde os intérpretes não podem estar nem muito bem nem muito mal (apesar da graça de Embeth Davidtz), além da própria historieta que nos é contada ter muito poucos pontos de interesse. Além do mais da forma que Rozema a conta: a autora preferiu mexer na personagem principal, fazendo dela uma mulher ousada e muito mais witty (espirituosa) do que a equivalente do livro. Resultado: um filme que não vale nem como um registro de época (de onde poderia tirar conclusões feministas certamente muito mais interessantes) e tampouco como uma declaração feminina de liberdade, tão logo o filme cai presa do molde de "filme de época, adaptação literária" corrente no cinema mais conservador. Mas Palácio das Ilusões só incomoda mesmo no tratamento da questão colônia/escravidão: num dado momento, a personagem principal descobre todos os maus tratos que o senhor em cuja casa vive infilge a seus escravos, do outro lado do Atlântico. Subtrama que logo desaparecerá no filme, causando uma suspeita de complacência com esse repugnante tema, coisa que deixa ainda mais a desejar de um filme que não consegue desejar nada.

Ruy Gardnier