Malditas Aranhas,
de Ellory Elkayem

Eight-legged freaks, EUA, 2002


Talvez seja um certo consolo para o crítico quando o filme claramente não se apregoa nenhum outro papel que não o de, despretensiosamente, brincar de cinema, como acontece com esse Malditas Aranhas. Claro que toda brincadeira que envolve milhões de dólares (seja nos custos da realização, seja na expectativa de bilheteria), como diz o ditado, "tem um fundo de verdade". Ainda assim este aqui trata-se, inequivocamente, de uma enorme (do tamanho das aranhas) brincadeira.

Embora o arsenal de deboche e metalinguagem presente no filme não chegue a causar impacto (basta ver o recente Homens de Preto II, este sim um filme que impressiona pela quantidade de informações paralelas e piadas internas), sua melhor qualidade é realmente a de brincar com os cânones do gênero. Trata-se de uma apropriação de linguagem que transforma o espectador num cúmplice constante do realizador, um pouco como fazia Wes Craven em Pânico (tomadas as devidas proporções). Os personagens se sabem personagens (há por exemplo o garotinho dizendo "Eles nunca acreditam no garotinho"), e sabem que vivem uma narrativa cinematográfica. Mais do que isso, sabem que o espectador se divertirá mais quanto mais observações e piscadelas cinematográficas houver (há a indefectível "I see dead people", muito bem usada, assim como uma referência ao "Spiderman", também hilária).

Esta super-utilização do cabedal cinematográfico de referências (o filme brinca ainda, mais diretamente, com os filmes de monstros e catástrofes dos anos 50, época inclusive interessantemente aludida pelo trabalho da cenografia, misturada com índices de contemporaneidade - o filme possui um leve substrato nostálgico), antes que uma afirmação de qualidade, revela mais uma vez a fragilidade do discurso da ficção nos dias de hoje, onde todos os clichês e "regras" do jogo parecem conhecidos e dissecados pelo público. O ilusionismo em si não surge mais como necessidade, substituído por um espetáculo de identificação do espectador não com os personagens e sim com o diretor do filme.

Talvez neste ponto possamos ver de forma clara que o público está disposto a seguir esta tendência só até um certo ponto. Por isso que Pânico conseguia se realizar completamente: por conseguir mesclar este jogo de parceria diretor-público, ao mesmo tempo em que manipulava este espectador de tal forma a dizer "as regras são estas e ainda assim você vai cair no meu golpe". Malditas Aranhas não consegue este nível de resultado, embora tente. Resulta apenas num pastiche leve, sem de fato levar a proposta ao seu máximo (os efeitos, por exemplo, são excessivamente "bons" e modernos, quando se a paródia fosse completa deveria brincar com isso também). Diverte com várias de suas piadas (inclusive o uso do som que as aranhas fazem), ajuda a desvendar em parte o que é o espectador moderno, mas não consegue de fato atingir qualquer resultado mais significante, seja na parte de linguagem, seja no contato com esse espectador.

Eduardo Valente