Paralelas
e Transversais
A Máfia Volta ao Divã, de Harold Ramis
Recém-Casados, de Shawn Levy
Analyze that, EUA, 2002
Just married, EUA, 2003
É chover no
molhado afirmar mais uma vez que a Contracampo não acha, a priori,
que qualquer filme dispense análises, e que as relações
dos filmes com o mundo são muito mais importantes do que as impressões
estilísticas puras e simples. Por isso, não tem "tempo
ruim" para nossos redatores antes de ver um filme, nunca. Se o filme
vem do mais comercial dos estúdios ou do mais independente dos
cineastas nosso interesse é o mesmo: ir até ele e ver o
que ele pode nos ajudar na reflexão sobre cinema e mundo. Porém,
é também inegável que o meio de produção
de um filme, embora não seja nosso fruto primeiro de análise,
é determinante numa série de opções que este
tal filme reflita como linguagem e discurso. Por isso tudo, parece importante
partirmos destes dois filmes para observar um fenômeno maior do
que eles: a transformação de Hollywood num lançador
de produtos, muito mais do que de filmes.
Tal noção
é antiga, e vai longe, é verdade. Mas nunca no mesmo sentido
que hoje parece tomar conta de parte da produção americana
dos grandes estúdios. Fruto de uma série quase infinita
de fatores (que vão do aumento nos custos de produção
à transformação do público-alvo principal
do cinema nos pré-adolescentes, passando pelas relações
intrínsecas entre cinema e TV em todos os sentidos – desde inspirações
às mais simples relações comerciais), o resultado
prático desta mudança é bastante assustador nos exemplares
típicos desta tendência: o filme deixa de ser importante.
Porque são filmes demais entrando em cartaz ao mesmo tempo, brigando
pelo mesmo público. Com isso, já não importa mais
o filme e sua relação com o público (ou melhor, assim
pensam os executivos porque sempre há exemplos contraditórios
como Casamento Grego), e sim a possibilidade de posicioná-lo
com rapidez como um produto no imaginário do espectador, com uma
campanha de marketing enorme, um trailer atraente e comerciais na TV (por
isso um dos sinais mais claros desta mudança é a percentagem
do orçamento dos filmes atualmente gastos em propaganda). Como
o que importa é tal "bilheteria de estréia", muito
mais do que a relação a médio e longo prazo do público
com o filme, buscam-se "conceitos vendáveis", não
filmes.
Estes dois filmes
são casos exemplares deste modelo. Isso pode se perceber, a começar,
por um simples fato: sendo ambos comédias, eles não têm
a menor graça. Ou, se têm, é residual. Em segundo
lugar, eles não parecem ter uma só pessoa interessada no
seu andamento, na sua realização: atores sonâmbulos,
direção preguiçosa, roteiro qualquer nota. Só
podem ser vistos dentro do conceito de "cinema de autor" onde
o autor seja o executivo de marketing dos estúdios. Senão,
vejamos:
O filme de Ramis (diretor
de comédias respeitáveis, diga-se) é uma continuação
de um filme que ia justamente na contramão desse mercado: comédia
lançada pequenininha, mas que pela surpresa de seu tema e sacadas
espertas conseguiu uma boa bilheteria à moda antiga (ou seja, porque
agradava ao público). Certamente por conta deste sucesso, vem a
continuação, que aí sim é pura estratégia
de marketing: não há uma só piada nova, claramente
não há mais nada que estes personagens e temas tenham a
dizer, seja a Ramis, seja ao público. Era necessário outro
produto, somente. E vendê-lo não seria difícil, independente
do que ele fosse como filme. Mas, se lamenta ver um personagem delicioso
como o Paul Vitti de Robert DeNiro virar tal pastiche.
Já Recém-Casados
estabelece relação diferente com o mercado: ao invés
de continuação (onde o atrativo são os personagens
e seus atores já conhecidos), se insere no viés do cinema
de corte e costura. Ou seja, pega um pouco de tudo que se tem feito no
seu gênero, sem muito critério, e o coloca num formato de
vendas onde se torne, justamente, igual aos outros (pelo menos no quesito
da campanha de marketing). Mais uma vez, pouco importa o roteiro, a direção,
uma idéia nova. O filme é uma lamentável colcha de
retalhos de pedaços de idéias (que vão do humor grosseiro
dos irmãos Farrelly – sem a coragem dos temas, ao humor absurdo
de um ZAZ – sem a graça referencial, a doçura de uma comédia
romântica – sem os personagens ou situações cativantes).
Ou seja: o filme não é nada, praticamente não existe.
E aqui o que se lamenta é ver a gracinha Brittany Murphy (que se
entendia plenamente porque deixava Eminem doidinho em 8 Mile) tendo
que interpretar uma apaixonada por um personagem absolutamente lamentável
sob todos os aspectos.
Mas, o que mais se
tem a lamentar é justamente que esta pareça uma tendência
sem muita saída, visto que gera lucratividade. Mas, para não
sermos apocalípticos, não se pode esquecer que, no fundo,
também é isso que permite "aberrações"
como Sinais de M. Night Shyamalan e Planeta dos Macacos
de Tim Burton: filmes que, no fundo, também não conseguiam
a adesão do público, mas que estavam pagos pelo investimento
em marketing, etc. Só nos parece que a gangorra tem pendido muito
mais para os "não-filmes" do que para os "filmes
de contrabandistas". E é muito complicado analisar um filme
quando se percebe que ele não é mais exatamente aquilo que
se convencionou entender como um. De fato, faz o crítico se sentir
perdidinho...
Eduardo Valente
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