As Luzes de um Verão,
de Tran Ahn Hung

À la verticale de l'été, França/Vietnam, 2000


Fala-se muito na Contracampo sobre a questão da "função", como marca da visão de um diretor. Refere-se assim a estilo visual, temáticas, formatos narrativos que permitam a identificação de uma certa assinatura, em busca de uma sempre polêmica "autoralidade" no produto cinematográfico. Pois bem, com este filme em particular podemos perceber que não são só os diretores que possuem suas "funções", mas verdadeiras cinematografias inteiras também podem possui-las. O diretor Tran Ahn Hung foi o responsável por um dos primeiros filmes a ter no Ocidente o reconhecimento que a onda de produção do cinema asiático, principalmente o chinês (mas não só) recebe dos anos 90 em diante. O filme era O Cheiro do Papaia Verde, elogiadíssimo por propor uma certa louvação do banal da vida como assunto cinematográfico, uma contemplação e um ritmo particulares que marcaria esta presença oriental. Claro que não nos referimos aqui ao extremo oposto, o cinema ultra-cinético de um John Woo ou um Tsui Hark, que também aparecem nesta época. De fato, podemos traçar dois pólos de atração para o Ocidente do cinema oriental: um mais comercial, pela via da ação; e o "cinema de arte" que ganhou inúmeros prêmios em alguns dos principais festivais, indo de Zhang Yimou a Takeshi Kitano, passando por Tsai Ming-liang e Hou Hsiao-hsien, para citar os mais conhecidos. Não por acaso, com seu segundo filme, Cyclo, o próprio Ahn Hung vence o Festival de Veneza.

Esta introdução faz-se necessária para que possamos entender porque se pode dizer que este seu novo filme nada mais é do que a diluição da diluição de uma chamada "função". Na verdade, quase uma grife: a do cinema oriental de arte, para festivais. As Luzes de um Verão tem tudo que se pode esperar dele: cenas contemplativas, relações humanas e afetivas complicadas, fotografia belíssima, cuidados em revelar o mundo oriental. No entanto, ele não possui qualquer valor de criatividade nem de real emoção. Parece ter sido pensado passa a passo para agradar os que aprenderam a apreciar este tal cinema oriental de arte. Consegue remeter a uma diluição como já era Três Estações, filme americano-vietnamita que mostrava a assimilação do tal modelo oriental pelo sistema.

Quando o filme começa, ainda existe um certo mistério quanto ao desenrolar de sua trama, mas rapidamente o espectador percebe que ela obedecerá aos mais esquemáticos desenvolvimentos narrativos. De fato, pecado ainda maior são os diálogos, no geral fraquíssimos, e que dão a impressão apenas de que tentam tornar aquilo que em O Cheiro da Papaia Verde era intuído, e por isso mesmo belo e novo, algo de mais "palatável". Várias vezes os personagens param para verdadeiras reflexões que são, no fundo, exteriorizações desnecessárias de uma voz interior que deveria estar explicada no filme por ações e reações, e não por palavras. Da mesma forma, o fascínio pela fotografia belíssima, pelos movimentos de câmera constantes e pela luz perfeita, criam um "verniz de qualidade" que retira qualquer verdade que o filme pudesse alcançar, pois torna-se fim em si. Se somamos os dois (diálogos e foto), ficamos com saudades do "trailer" do filme, que tinha as mesmas imagens, mas sem nenhuma palavra falada, apenas música, e o filme parecia fazer mais sentido então... As (repetitivas) cenas ao som de Lou Reed são o ápice deste modelo, e muitas vezes esperamos a narração em off ou os atores nos anunciarem qual marca de margarina está sendo vendida.

É uma pena, porque o substrato da trama apresenta o tradicional balé de afetos e desencontros humanos, centrado principalmente nas relações entre irmãos (especialmente irmãs) e nas relações amorosas. Mas, nunca nos sentimos à vontade para bailar com os personagens de tanto que o diretor parece se preocupar com ser bem sucedido "artisticamente", deixando de lado qualquer resquício de espontaneidade ou criatividade.

Eduardo Valente