A
Camareira do Titanic,
de Bigas Luna
La Femme de Chambre du Titanic,
França, 1998
Olivier
Martinez e Aitana Sánchez Gijón
em A Camareira do Titanic de Bigas Luna
Bigas Luna ficou famoso pelo
seu cinema desavergonhado, algumas vezes explícito, onde o sexo
era o principal, quando não o único, motivador de ações
e crenças. Seu cinema sempre foi considerado "de mau gosto"
pelo público em geral, e admirado por muitos cinéfilos.
Com seus filmes mais novos, este Camareira do Titanic e A Maja
Desnuda, a impressão superficial que fica é a de que
ele se rende aos críticos e passa a fazer um cinema mais comportado,
que agrade ao público. É uma crítica tão boboca
quanto a dos que acreditam que Almodóvar se "domesticou"
nos últimos filmes. Ora bolas, os artistas têm que mudar
sempre, não podem se fechar em círculos viciosos de repetições
e crenças, por mais que o público e a crítica preferissem
haver esta facilidade de categorização. O que acontece com
estes dois espanhóis é simplesmente uma sofisticação
de linguagem que não levou, de forma alguma, à perda de
autenticidade e coerência no que há de principal nos seus
filmes: as forças que movem os seres humanos. Neste sentido, os
novos filmes dos dois são muito mais subversivos inclusive do que
sua anarquia inicial, pois estes chamam o público para si, ao invés
de repeli-lo, e continuam propondo, no fundo, as mesmas coisas. No caso
de Luna, parece que a frase que melhor o definiria seria: o mundo não
gira em torno do Sol, mas sim em torno do sexo.
E neste Camareira do Titanic
continua sendo assim. Desde o sutilíssimo início, onde as
formas do metal caldente repetem o sexo feminino. E ao longo da história
toda, o que move cada personagem é o sexo, o impulso sexual, a
fantasia, o ciúme, a obsessão. Não cabe aqui sequer
tentar resumir a história do filme, pois quem viu o filme já
conhece, e quem não viu não deve conhecer antes porque uma
das maiores qualidades dele é justamente ser surpreendente a cada
momento, a cada ação e reação, verdadeiramente
não se faz idéia de onde o filme está indo a seguir,
e este poder mágico de surpresa o diretor usa às mil maravilhas.
Segundo Luna, no filme, não
há Verdade possível de ser encontrada, nem no passado, nem
na memória. Toda a realidade é filtrada pelo poder da fantasia
e da imaginação. Daí que, muitas vezes, o imaginado
tem muito mais relevância que o chamado "real", e pode
levar a inúmeras alterações neste. A forma como ele
filma o Titanic em si é prova disso, há um ar "fake"
típico de um Fellini, onde o símbolo é mais importante
que a coisa em si. O Titanic nada mais é do que um reflexo numa
poça, e importante mesmo é o seu efeito sobre as pessoas.
Finalmente, como em todos
os grandes filmes dos maiores diretores, há neste uma reflexão
sobre o papel do artista, do cineasta especificamente, como o engenheiro
desta fantasia, do seu poder de influenciar e enfeitiçar, de mudar
a vida das pessoas. O personagem de Zeppe, o diretor teatral, é
a metáfora do clássico cineasta, usando todo tipo de truques
para impressionar, os efeitos sonoros, o gigantismo. É talvez,
o James Cameron com seu Titanic. E o personagem do contador de histórias
é, ele sim, o verdadeiro artista, o criador, o dono da mágica.
Nos flashbacks é que o filme lida de forma mais sofisticada com
essa noção, porque Luna incorpora todos os truques: a trilha,
os closes, a fusão, os efeitos sonoros. Ele se transforma no próprio
Zeppe, misturado com o contador. Ele brinca com a criação
da fantasia e se inclui no rol dos "metteurs-en-scene". São
momentos de belíssima metalinguagem.
O que Luna consegue neste
filme é o raro ato de um cineasta maior: falar de vida e de cinema
ao mesmo tempo, e torná-los um só. Não há
grandeza nos cineastas que cismam em ignorar o seu meio de expressão
em busca de uma suposta "vida" externa a eles, assim como não
há nos que se apaixonam de tal forma pelo seu mecanismo que se
esquecem da vida e só falam de cinema. Luna é grande.
Eduardo Valente
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