O
Lixo e a Fúria,
de Julien Temple
The
filth and the fury, Inglaterra, 2000
É peculiar pensar em qualquer tipo de trabalho "autorizado" em
documentário, em biografias mesmo. Porque geralmente a idéia
que isso passa, e é um fato, é de que o que nós estaremos
vendo é, tão somente, a visão do biografado, segundo
seu olhar e interesse. No caso dos Sex Pistols, famosos acima de tudo
pela sua contestação do sistema e sua luta com as convenções
e a sociedade inglesa quando surgem, este tipo de projeto quase oficialesco
se torna ainda mais bizarro.
Não que ele
não seja interessante. Como amigo da banda, Temple tem acesso a
material da época absolutamente fascinante (entrevistas, bastidores,
material dos shows, etc), e mais do que isso, faz uma pesquisa exaustiva
e um trabalho de contextualização dos mais interessantes,
puxando fontes, temas e associações inesperadas (como a
sempre presente figura de Ricardo III) para melhor entendermos a Inglaterra
do fim dos anos 70 e a personalidade dos Pistols. O que temos é
uma material humano riquíssimo nas mãos de um documentarista
talentoso, sem dúvida.
Ainda assim é
difícil não perceber o quanto a banda parece se divertir
criando e aumentando as lendas em torno de si. Optam por declarar Malcol
Mclaren, seu empresário, o vilão maior do filme, responsável
por todas as burradas e injustiças (o que pode ser uma resposta
interessante ao fato de que McLaren sempre falou demais), e acreditam
na sua pose mais do que o espectador consegue. Logo no início há
uma cena onde isso fica claro: são exibidas cenas de um programa
de entrevistas na TV, e tanto a voz em off dos Pistols quanto a montagem
nos querem fazer crer que eles dominam o apresentador com sua irreverência,
que o constrangem e surpreendem. Só que o espectador mais distanciado,
mesmo sem conhecer o apresentador, percebe uma extrema inteligência
irônica na postura dele, percebendo a vontade de chocar daqueles
meninos e jogando-a contra eles. Tentar fazer parecer o contrário
(e acreditar piamente nisso) é o tipo de erro no qual incorre o
filme seguidamente, restando como um importante documento de uma época
sem dúvida, mas uma fonte das mais questionáveis quanto
à verdadeira dimensão e história da criação
dos Pistols em si. O documentário "punk-chapa branca" está
inaugurado.
Eduardo Valente
|
|