Paralelas
e Transversais
Limite Vertical,
de Martin Campbell
Planeta Vermelho, de Anthony Hoffman
Vertical Limit, EUA,
2000
Red Planet, EUA, 2000
Quando o cinema era apenas um bebê,
no início do século XX, ele tinha um poder de encantamento
pelas suas imagens bidimensionais em movimento, que o Homem não
conhecia. Seja nas mãos dos Lumiere e seus filmes documento, seja
nas mãos de Melies e suas fantasias, havia um fascínio que
alguns teóricos chamam de "cinema de atrações".
Ao longo dos anos, Hollywood percebeu que a relação das
pessoas com o cinema, de uma forma geral, continuava tão emocional,
catártica e mágica como neste início, e ao longo
dos anos foi criando novos e novos artifícios para manter o mundo
fascinado com suas imagens em movimento. Criando novos mundos, recontando
a História, olhando para o futuro, exagerando o presente, não
importa. O que importa é manter o público completamente
fascinado, entregue, querendo mais. Ao longo dos anos, porém, Hollywood
parou de confiar completamente no poder das imagens e sons por si só
e criou um padrão narrativo quase monolítico. À medida
que o público de cinema foi mudando, tornando-se cada vez mais
jovem, o cinema americano foi simplificando mais e mais as situações
dramáticas e humanas de seus filmes para que pudessem ser entendidos
por crianças de até 9 anos. Estes dois filmes analisados
são a prova do bem e do mal que Hollywood faz ao cinema e ao seu
encanto.
Por um certo olhar, o "cinema de atrações"
no que ele tem de mais básico, continua funcionando, e sua relação
direta com o inconsciente do espectador é até hoje fascinante.
Nos dois filmes discutidos, há a criação de um novo
mundo, de um mundo ao qual o espectador só pode ter acesso nos
cinemas. Este sempre foi um dos fortes do cinema americano. Seja filmando
a atmosfera de Marte como se fosse apenas mais uma locação,
criando com os efeitos visuais um mundo que mergulha o espectador na sua
fantasia, seja mostrando os picos mais altos e perigosos do mundo sendo
escalados, aventuras apenas disponíveis a poucos mortais, e menos
ainda sem colocar suas vidas em risco, o fato é que Hollywood consegue
hipnotizar seu espectador com a visão de coisas nunca vistas. Isso
é extermamente positivo se visto como uma relação
que estimula a imaginação, a capacidade de abstração
do espectador, seu encanto com a magia das imagens e sons. Isso é
o que os dois filmes têm de mais forte, e em muitos planos, efetivamente
emocionante. Os paralelos são tão possíveis que num
certo momento um personagem em Limite Vertical se refere ao ambiente
das mais altas montanhas onde estão dizendo "É como
se estivéssemos em Marte", ambiente no qual se passa Planeta
Vermelho.
No entanto, Hollywood decretou que não
basta ao espectador este impulso mais primal da fascinação.
Ela deve ser mediada pelo drama, pela narrativa de outras pessoas com
as quais a platéia se identifique. Aí é que a porca
começa a torcer o rabo. Porque o cinema moderno americano se revela
igualmente competente na hora de criar o mundo novo, a imagem única,
o fascínio. Mas ao tratar de seres humanos, cai numa vala comum
de preconceitos, simplificações e conservadorismo que, no
geral, se direciona para o espectador mais infantilizado o possível.
Neste ponto, deve-se fazer uma primeira diferenciação entre
os dois filmes. Pelo menos em Limite Vertical Martin Campbell parece
confiar um pouco mais no espectador. Usa artifícios mais complexos
de apresentação de personagens, ferramentas narrativas mais
elaboradas (sem nenhum hermetismo, diga-se), ousa colocar os personagens
em situações limite perante a morte. Já em Planeta
Vermelho tudo é rasteiro: os personagens são introduzidos
por uma narração que só falta dizer "assim,
vocês sabem logo quem eles são e como eles vão se
comportar ao longo do filme, e assim não perdemos tempo com estas
besteiras". O filme chega ao cúmulo simbólico de colocar
os personagens um bom tempo em roupas espaciais onde fica difícil
ver o rosto dos atores, e por isso mesmo, eles andam com os nomes estampados
bem grande no peito. É como se dissesse: atores e comportamentos
pessoais não importam, o que importa é só você
saber quem está matando quem.
No entanto, se o primeiro filme parece um
pouco mais inteligente (digamos que mirava num público de 15 anos,
enquanto o outro é para jovens de 12), as diferenças no
encadeamento narrativo são pequenas. Ambos colocam seus personagens
em situações onde parece impossível a solução,
onde a jornada dos heróis precisará obrigatoriamente passar
pelo enfrentamento da morte certa. Ambos não colocam as situações
limite como questões filosóficas (em Planeta Vermelho
brinca-se com isso inclusive) de enfrentamento com a morte, mas apenas
como obstáculos ao heroísmo pré-determinado que levará
à vitória dos bons. Ambos dividem seus personagens da forma
mais contundente em "completamente bons" ou "completamente
maus". É claro que os maus morrerão e os bons sobreviverão,
embora com sacrifício de alguns. Há uma necessidade absurda
de criar vilões, sejam eles humanos, ou não (no caso a nitroglicerina
num e um robô no outro). Não basta a eles precisar sobreviver
a ambientes como Marte ou o K2, isso não é desafio bastante,
pois eles não são "maus". Ambos encerram seus
filmes com beijos entre casais formados por opostos ao longo dos filmes,
como se o enfrentamento do horror da morte e a dor por tantos personagens
fossem apenas empecilhos no caminho da verdadeira solução:
o amor.
Por isso tudo, são produtos industriais,
até mesmo banais. Neles não se encontra alguma originalidade
ou marca pessoal que os diferenciem e inspirem a utilização
da expressão "obra de arte". Mas o que impressiona é
seu poder de atração, que está todo naquele primeiro
fator, no poder da magia dos mundos novos, da surpresa, do ineditismo.
Deve-se pensar em que ponto este fascínio universal e puramente
audiovisual não foi mais suficiente, e o porquê da necessidade
de seguir-se um modelo tão redutor do que seja a experiência
do cinema clássico. Porque ainda hoje resiste esta fagulha de inocência
quase infantil na atração deste cinema, mas completamente
obscurecido por uma necessidade simplificador que transforma o que podia
ser sonho em simulacro reduzido de realidade.
Eduardo Valente
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