As
Bodas,
de Pavel Lounguine
La Noce, França/Rússia,
2000
O que aconteceria com Cerimônia
de Casamento, de Robert Altman, se todos os personagens ingerissem
doses cavalares de vodka?? Provavelmente aconteceria As Bodas.
Claro que a brincadeira não é de todo verdade, mas que se
aplica, se aplica. O filme russo traz a mesma noção de uma
comédia de costumes que tenta traçar um painel da sociedade
como um todo a partir de uma de suas tradições mais arraigadas,
o casamento. Só que tudo é muito mais rápido do que
em Altman, como que literalmente tomados pelo excesso de vodka, a câmera
não pára quieta, os personagens se movimentam o tempo todo,
a montagem cria elipses e alguns flashbacks interessantes. Mas
nada que complique o que, em essência, é uma comédia
de costumes e uma história de amor, embora este lado seja, talvez
positivamente, menos explorado. Mas, especialmente no início e
no final, permite algumas belas cenas como o flashback da infância
do casal, e a cena no orfanato.
Claro há uma outra diferença
básica: onde Altman usava, como de hábito, um olhar apurado,
irônico e sutil, Lounguine é muito mais exagerado, emotivo,
berrado, escrachado. Mas assim são os russos, em oposição
aos americanos, portanto não poderia ser diferente. O painel que
Lounguine traça desta Rússia às beiras do século
XXI é daqueles tão mordazes que se fosse feito por um estrangeiro
seria considerado preconceituoso. Uma terra de pessoas sem receber salários,
onde o escambo é moeda corrente, onde a polícia se mistura
aos mafiosos sem problema nenhum. No entanto, o que o olhar "local"
permite é, além desta mordacidade que só é
permitida quando se fala de seu próprio povo, um grande carinho,
um verdadeiro amor por todo aquele caos. Ele nem consegue criar vilões
verdadeiramente "maus", todos os que se comportam em oposição
aos protagonistas acabam se mostrando, no fundo, "pessoas legais".
Por isso tudo é que, em muitos aspectos, o imaginário russo
lembra bastante o brasileiro, pelo menos na chave da comédia. O
mesmo escracho, a mesma sensação de inevitabilidade, mas
também o mesmo amor pelos seus defeitos, porque deles vem sua humanidade.
Não por acaso, no filme tudo termina num grande "repente"
após muita vodka.
Eduardo Valente
|
|