Lendas da Vida,
de Robert Redford


The Legend Of Bagger Vance, EUA, 2000

Lendas da Vida começa pela morte, ou pelo prenúncio dela: num campo de golfe, um senhor tem um súbito ataque cardíaco e é do chão, com a mão apertando o coração, que ele lembra do momento em que foi criança. Um momento glorioso, pois foi o primeiro momento de sua vida em que de fato ele pôde ter um herói. O filme acerta de primeira uma bela tacada: acompanharemos a história pelos olhos de uma criança e, assim, conduz o espectador com mais complacência pela história. Seremos levados então até a década de 20, veremos como surge um futuro gênio do golfe e observaremos como uma cidade próspera como Savannah, cidade da Georgia (sul dos Estados Unidos), pode de uma hora para outra perder seu brilho por causa de depressão de 1929 e a falência de quase todos homens importantes da região.

Morta, a cidade só tem uma pessoa que ainda encontra vida: a bela Adele Invergordon (interpretada pela linda Charlize Theron) recusa-se a vender um magnífico clube de golfe, sonho longevo de seu pai. Para isso, ela moverá mundos e fundos para realizar um grande torneio de golfe com a finalidade de pagar as inúmeras dívidas que ameaçam seu negócio. Como a câmara municipal decide que para haver campeonato um dos cidadãos de Savannah deve jogar, recupera-se o antigo "fenômeno" Rannulph Junuh, atualmente envolvido em bebida e jogatina apenas, para que ele represente a localidade.

Obviamente, tudo que se segue daí é mais do que esperado, à exceção de um elemento: do nada, surge uma figura simpática, de roupa surrada, no meio da noite. Trata-se de Bagger Vance, um caddie (carregador de tacos) negro, filho da natureza, que tratará de dar conselhos grandiosos para que Junuh possa recuperar seu swing, seu movimento. Em si, os conselhos não passam de um heideggerianismo rasteiro que entretanto é repetido à exaustão na academia ("você tem que recuperar seu swing autêntico", "não arremesse a bola, seja o taco" e outros ditames animistas). O que complica é a situação fácil demais de colocar um negro como o filho da natureza, como aquele que, pela simplicidade e pela vivência, pode dar uma lição ao mundo, mesmo permanecendo apenas um caddie. Não luta de classes, mas assimilação – a velha jogada do pensamento conservador...

Mas há mais que isso no filme. Colocando todos os fatores complicadores entre parênteses (o que nem sempre é fácil), Bagger Vance representa antes um espírito de perseveração, um chamado selvagem da natureza que tem as obviedades de sempre, mas que não deixa de perturbar vez ou outra. Quanto à narrativa do filme, ela acompanha os passos de Junuh no torneio; e como o golfista, erra muito e acerta em momentos. O momento mais interessante do filme é quando Junuh finalmente acerta um hole-in-one (acertar uma bola muito distante na primeira tacada): a cidade, morta, acorda e o acompanha até o fim. Essa beleza é partilhada pelo espectador. Mas ao contrário do esportista, que vence o torneio e ganha a menina bonita, o filme não vai tão bem assim. No fim, alguns bons momentos em meio a uma história óbvia demais.

Ruy Gardnier