Legalmente Loira 2,
de Charles Herman-Wurmfeld


Legally Blonde 2 – Red, White And Blonde, EUA, 2003

A primeira coisa que Legalmente Loira 2 confirma é a grande qualidade de atriz de Reese Witherspoon, o que certamente representa um dos principais motivos pelos quais o filme é tão interessante. Fazer uma personagem que preza pelo exagero sem exagerar (no tom, na expressividade, no gestual) e sem cansar o espectador (muito pelo contrário: à medida que o filme caminha gostamos mais e mais de sua personagem) é um mérito definitivamente alcançado por seu trabalho nessa feliz continuação. Feliz não só no sentido de bem sucedida desde a primeira seqüência (que resume o filme anterior através de um álbum de fotografia, momento em que a resolução estética de Legalmente Loira 2 já se mostra perfeitamente estudada), mas também por conta do otimismo encomendado ao final.

Não é de causar espanto que Legalmente Loira 2 vá dialogar explicitamente com A Mulher Faz o Homem (1939), de Frank Capra, o levantador de moral oficial do cinema hollywoodiano anos 30. O título original do filme de Capra abrevia a explicação sobre como se dá tal diálogo: Mr. Smith Goes to Washington. O recém-nomeado senador interpretado por James Stewart vive uma saga absolutamente semelhante à de Reese: o idealismo naive de um caipira entrando em confronto com a corrupção e a falta de ideais dos políticos calejados. Enquanto o filme de Capra termina com a vitória moral do Sr. Smith contrastando com sua derrota política (quem viu o filme deve lembrar dele desmaiando exausto em meio ao senado, após sua causa ser voto vencido, e do discurso que em seguida é proferido a seu favor por aquele que até então se mostrava seu arqui-inimigo), em Legalmente Loira 2 assistimos a um happy end autêntico: vitória moral e política, discurso com música de fundo e... casamento (belíssima cena, diga-se de passagem, com Luke Wilson se reafirmando como par oficial das loiras – lembrar de As Panteras, de Os Excêntricos Tenenbaums...).

Legalmente Loira 2 possui um subtítulo no original que diz muito sobre o filme: red, white and blonde. As cores da bandeira norte-americana sofrem uma pequena modificação, e no lugar do azul (blue, que também pode significar um estado melancólico) entra a loira – com sua frivolidade, sua espontaneidade, seu americanismo à moda antiga (tal qual o personagem de Stewart em A Mulher Faz o Homem, ela cita os antigos "pais" da América – Abraham Lincoln, George Washington – e fala do desejo de uma nação verdadeiramente "livre", sendo seu discurso inflamado do final propositalmente exagerado e piegas). O filme acaba sendo mesmo uma reconstrução do sonho americano a partir de aspectos cujo crédito – ao que indicam recentes filmes americanos sobre jovens – andava em baixa nos últimos anos: o elogio ao kitsch (tendo a cena da passeata como ápice), o apego pela pequena causa (ela vai a Washington tentar aprovar uma lei que proíba a utilização de animais como cobaias pela indústria de cosméticos), a pieguice, o sentimentalismo sem intervenções críticas (ela entra em contraste imediato com a sisudez de seus colegas em Washington, todos sempre de preto e disputando entre si). E Legalmente Loira 2 o faz de modo a não soar como desdobramento audiovisual do neo-reacionarismo da era Bush (até porque não há nada de alegre no belicismo que a vem marcando). Não se trata de re-acionar, mas sim de re-sonhar. O filme se assume como brincalhão (sua última imagem é uma piscadela de Reese para a câmera, após ela responder ao marido, enquanto passam de carro pela Casa Branca, que já sabe onde irão morar – a mulher faz o homem... presidente).

Em Doce Lar, de Andy Tennant, Reese Witherspoon já havia feito uma sulista que, apesar de bem sucedida como estilista em Nova York e prestes a se casar com o filho da prefeita nova-iorquina, acaba sucumbindo às raízes, retornando à cidade natal (Sweet Home Alabama é o título original). Lá, ela redescobre o amor pelo ex-marido, com quem continua oficialmente casada porém sem viver junto dele há sete anos, e abandona o noivo nova-iorquino no altar. Doce Lar é um filme de reconciliação: com o passado, com o sul dos EUA, com o americano caipira. Nada totalmente distinto de Legalmente Loira 2, ainda que este seja um filme bem superior a Doce Lar. Ao se pensar na personagem de Reese em Eleição (1999, dir. Alexander Payne), também se encontra o germe da cdf que se tornará uma advogada jovem e ultracompetente. Legalmente Loira 2 é uma versão gente-boa, alcalinizada (ao filme de Payne não falta acidez) e assumidamente brega daquela personagem de Eleição. Para completar a equação, a origem provinciana da personagem de Whiterspoon está em Pleasentville, a cidadezinha onde se desenrola um típico seriado americano dos anos 50, no filme aqui exibido como A Vida em Preto e Branco.

Charles Herman-Wurmfeld fez um filme que tem um saboroso tom de fábula. A própria fotografia de Legalmente Loira 2 conforta o espectador com uma luz que parece tirada de um sonho bom. Desaconselhável para quem gostou de Aos Treze – uma vez que descarta o (suposto) hiper-realismo, as estéticas de agressão e o julgamento das personagens –, Legalmente Loira 2 desperta na sua protagonista o carisma e o carinho nela depositados por Reese Witherspoon, que – como a confirmar sua importância e seu envolvimento com o projeto – é também a produtora executiva do filme.

O filme é bom. Mas a atriz é excelente.

Luiz Carlos Oliveira Jr.