Legalmente Loira,
de Robert Luketic

Legally blonde, EUA, 2001


Ela é a preferida de seu colégio, ela tem o namorado perfeito, bonito e rico, ela se chama Elle e veste-se exclusivamente de cor de rosa. Estamos diante de um arquétipo de feminilidade: a garota rica, mimada e completamente fechada em seu mundo. Sim, estamos diante de mais uma patricinha de Beverly Hills, de uma menina "clueless" como o nome do filme, que emoldurou o lema "uma tapada com um cartão de crédito". Em Legalmente Loira, porém, a patricinha atinge um nível de maioridade: vai a Harvard cursar advocacia. Claro, não é tanto pela carreira como por um desejo absolutamente deslocado: fazer seu ex-namorado perceber que na verdade ela pode ser uma menina séria. O percurso de Elle, no entanto, não será de uma ascensão-queda-ascensão, e isso é que na verdade constitui o maior problema do filme. Mesmo abandonada por seu namorado no dia em que acreditaria receber um caríssimo anel de noivado, não há em Legalmente Loira nenhum chamado da realidade. A passagem à universidade é fácil (basta estudar algumas semaninhas), a adequação à sisuda universidade também (depois de algumas mancadas é possível manter-se a par), e sobretudo a resolução de casos sérios de tribunal (todos eles incrivelmente ligados a soluções de estética feminina: maquiagem, bom gosto, permanentes, conhecimento de griffes...). Ao mesmo tempo que Elle vai fugindo da esfera histérica da procura por um marido, seu ex-namorado acaba-se revelando um débil mental e um belo e promissor advogado cai de quatro por ela, tanto por sua beleza quanto por sua inteligência.

Há duas lutas em Legalmente Loira, e o filme só ganha uma, a do elogio da frivolidade: Elle não precisa em nenhum momento abandonar suas futilidades de ultra-patricinha para conseguir o que quer. Ao contrário, são justamente elas que dão à moça o diferencial. O sucesso de Elle é a destituição teórica da primeira frase escrita no quadro-negro no primeiro dia da faculdade, "O direito é a razão livre das paixões" (Aristóteles). Assim como todas aquelas pessoas estão vestidas de sérias, a razão é apenas uma melhor vestimenta para fingir afugentar as paixões. Ponto para o filme. Só que a segunda luta, a da menina diante da auto-afirmação, peca por sua inadequação: ao contrário de Amy Heckerling, sensível captadora do presente, Robert Luketic não consegue sair do viés "essa garota está com tudo", e enfim não consegue criar nenhuma situação que de fato sirva como obstáculo aos sonhos da menina. A pobre Elle termina o filme como começou: clueless, sem qualquer pista. Mas ela não precisa: ela acabou vencendo tudo mesmo assim. A ironia fina está ausente, dando lugar simplesmente a uma adesão que mais parece propaganda de um modo de vida. Mas isso não se impede que se tire do filme um certo charme, o de Reese Witherspoon, certamente, mas também o das mulheres em busca de uma procura do feminino mesmo em ambientes dominados pela lógica masculina. Sem maiores pretensões, Legalmente Loira agrada e incomoda só um pouco.

Ruy Gardnier