À
Francesa, de James Ivory
Le
Divorce, EUA/França, 2003
A carreira de James
Ivory é, sem dúvida, um caso no mínimo curioso. Iniciada
no início da década de 1960, sempre em parceria com o produtor
Ismail Merchant e a roteirista Ruth Prawer Jhabvala, rendeu, por mais
de vinte anos, filmes de época acadêmicos e tediosos, quase
sempre pomposas adaptações literárias. A partir de
metade dos anos 80, o trio passou a acertar a mão, apresentando
uma série de bons filmes (Uma Janela para o Amor, Mr. &
Mrs. Bridges, Retorno a Howard’s End), atingindo a perfeição
no gênero ao qual se dedicou em 1993, com a obra-prima Vestígios
do Dia. Daí então, Ivory andou para trás e nunca
mais fez nada que prestasse.
Ao que tudo indica,
ao realizar aquilo que chama de "uma comédia de costumes para
os tempos atuais", Ivory parece ter pretendido injetar alguma renovação
em seu cinema já meio mofado e bolorento. Só que esta injeção
foi bastante superficial, pois, apesar da ação contemporânea,
são mantidas as principais características frequentemente
encontradas em seu trabalho, a começar pela temática: uma
adaptação de romance (escrito por Diane Johnson), centrado
nas diferenças e conflitos entre americanos e europeus, assunto
recorrente na obra de Henry James, escritor americano do início
do século XX, já transposto à tela por Ivory diversas
vezes (Os Europeus, A Taça de Ouro).
Além disso,
suas personagens parecem comportar-se como se estivessem vivendo no século
XIX e Ivory filma sem nenhuma intimidade a Paris atual. Ou seja: À
Francesa permanece carregado de toda a pompa associada ao nome da
produtora Merchant-Ivory. Assim, a protagonista Isabel (Kate Hudson) chega
à capital francesa como se estivesse chegando à Veneza de
1890 e muitos dos conflitos vividos por sua irmã Roxanne (Naomi
Watts), como sua relação com a família do marido,
parecem ultrapassados. Por certo, uma crítica à rigidez
de comportamento da burguesia francesa, ainda presa a certas tradições,
e sua oposição ao pragmatismo norte-americano, parecem estar
entre as intenções da fita, só que a frieza com a
qual roteiro e direção conduzem o clima do filme faz com
que essas passem bastante ao largo (como, por exemplo, não explorando
a contento o fato do tio Edgar (Thierry Lhermitte) ser um político
da extrema-direita francesa).
Uma outra linha central
do filme estaria no gradativo processo de "europeização"
de Isabel, só que este processo, que acaba sendo apenas pouco mais
que sugerido pelo roteiro, fica transmitido ao espectador muito mais pelos
méritos individuais da atriz Kate Hudson - que não tem dado
muita sorte nos filmes que atua desde a revelação em Quase
Famosos. E falando de atuações, quase sempre impecáveis
nos filmes de Ivory, desta vez o rendimento do elenco é bastante
desigual, privilegiando as atrizes americanas (Naomi Watts e Stockard
Channing, além de Hudson), com Glenn Close absolutamente nula numa
personagem-clichê, de senhora americana independente que parece
saída das páginas de Henry James. Pior destino têm
os nomes franceses, todos perdidos e mal explorados, exceto pelo ótimo
trabalho da sumida Leslie Caron
Se considerarmos o
fato de que À Francesa se pretende uma comédia, o
filme torna-se ainda mais frustrante uma vez que até mesmo discretos
sorrisos são raros durante a projeção. Ivory e humor
parecem uma fórmula incompatível. Principalmente no final,
quando tenta se estabelecer um clima de comédia acelerada (com
o grotesco personagem de Matthew Modine), misturado a ingredientes de
suspense. Ivory acaba por enveredar equivocadamente num clima de citações
sucessivas (Hitchcock, na sequência da Torre Eiffel, O Balão
Vermelho, nos momentos finais) que indiscutivelmente não
é a sua praia. Aliás fica realmente difícil saber
hoje em dia qual seia esta praia, estando cada vez mais distante a esperança
que James Ivory volte, algum dia, a realizar filmes de maior interesse.
Gilberto Silva Jr.
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